Monteiro Cardita
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“Nós, os loucos de Lisboa cá continuamos”

Toda a gente sabe que não ligo nada às quadras religiosas por uma questão de feitio e por um ateísmo declarado, no entanto, desejo-vos uma boa Páscoa com mesa farta de iguarias a gosto, bom vinho e outros álcoois, muita alegria e amor familiar no conforto do lar.
Só acrescento que temos muita sorte por vivermos distantes dos cenários de guerra que muitas vezes nos parecem uma série de horror que consumimos diariamente na hora dos telejornais. Para todas essas pessoas vão também os meus votos que esta passagem possa significar a melhoria do seu degradado dia a dia.
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Do cravo caiu mais uma pétala. Um capitão de Abril morreu. Carlos Matos Gomes deixou-nos. Perdura na memória dos homens e no registo da história o seu contributo revolucionário. Que descanse agora em paz no talhão dos justos.
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Jóia da arquitetura nacional. Em Mafra.
Pode ser uma imagem de Piazza di Spagna, a Igreja de Nossa Senhora de Dresden e a a Catedral de Guadalajara
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Acordei hoje com a sensação de derrotado e com uma vontade de me voltar para o lado e dormir até ao infinito. Pesam-me os dias em que tudo é estranhamente mau, e até o matinal café perde sabor quando toca o céu da boca porque não há céu, há somente a acidez de mais um despertar triste num mundo absurdo a raiar a loucura.
Bem que tentei regressar ao sono depois do xixi matinal, mas a força do hábito de estar acordado levou a melhor e pus-me a ler os jornais e logo piorei, nenhuma notícia era boa, todas um vale de lágrimas interno que não se vê, apenas se sente, num estremecer tremendo de dor, não física, mas emocional, daquelas que não se explicam por palavras como estas que consigo escrever porque vai para além de todas as palavras conhecidas, é como se fosse tudo breu. Total escuridão sem réstia de luz. A morte da esperança. Por fim lá me ergui de novo desnudo e entreguei-me à luxúria de um banho quente com a água a percorrer cada poro, cada pelo do meu corpo e nessa sensação revisitei os dias felizes, nessas memórias encontrei forças para voltar à vida como sonâmbulo, enfrentar novo dia porque tem de ser e porque assim deve estar certo. Aqui no extremo ocidental também se pode morrer como nas trincheiras da frente leste desde que sintamos nas narinas o cheiro execrável da besta rondando por perto mesmo longínqua que ainda esteja.
Tocou uma sirene. É uma ambulância a passar. Moveu-se o ar. É um avião com turistas a chegar.
No relógio mecânico ouço as horas a contar. É a vida a continuar.
Não, ainda não é hoje o dia em que me mato.
Hoje assobio para o ar o fado da gaivota e irei ver se o Tejo continua a correr até ao mar misturando-se nas águas de sal.
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Já fui aos Estados Unidos e não tenciono lá voltar enquanto quem nós sabemos lá estiver a mandar. Nem um cêntimo de euro lhes darei a ganhar. Pois que provem do próprio veneno e lhes faça bom proveito. À barriga e ao peito.
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Morreu um político da velha cepa, daqueles de fortes convicções e ideologia bem definida. Chegou o tempo do meu camarada João Cravinho repousar em paz.
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Extraordinário. Cientistas do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália alcançaram um marco inédito na física quântica ao terem logrado converter a luz em um estado sólido, feito que redefine os limites da manipulação da matéria e da energia em escalas microscópicas.
Este avanço pode ter implicações profundas no desenvolvimento de novas tecnologias baseadas em coerência quântica e manipulação óptica da matéria.
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O cantor morreu. Até custa a acreditar. Hoje o Nuno Guerreiro soltou um beijo e foi ao encontro da Ala dos Namorados. Todos mortos. Nós, os loucos de Lisboa cá continuamos por enquanto ouvindo o relógio de cuco contar as horas para a nossa abalada.
Que o Nuno repouse em paz.
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Na Páscoa goze-se o feriado, coma-se o folar e o cabrito, e aproveite-se a pausa da quadra para laurear a pevide, ou viva-se com fé a paixão de Cristo.
Também há as amêndoas e os coelhinhos de chocolate que depois vão com o pai natal, ou será papai noël, ao circo.
Entretanto, lá para as bandas da terra santa está prevista a construção de um resort de luxo de fazer corar de vergonha qualquer riviera. Parecendo até, em face do desvario presente, que o todo poderoso se esqueceu de o ser e passou a pasta a Trump e a Netanya
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A intimidade de escrever à mão é maior dado do contacto que se estabelece entre a caneta, a pele e o papel. O pensamento flui mais rápido e intenso, emprestando ao acto uma maior solidez e verdade no exercício da construção das palavras alinhando ideias. Nestes tempos em que tudo se faz nas teclas de um computador, em que se avança e recua, apaga e recomeça, a folha em branco de papel em que pouso a minha mão fica desde logo marcado com a minha assinatura e o processo do desenho das letras permite perceber a velocidade e o ritmos das palavras bonitas ou feias ou desgrenhadas se saem jorro ou cansadas. Até os meus textos no computador padecem de uma revisão feita à mão que lhes dá o retoque final, com exceção destes post que aqui faço.
Escrever é um ato de libertação, a escrita criativa é sempre libertária, e às vezes pode também ser uma ilusão.

Créditos Imagem:

@reprodução Redes Sociais de Nuno Guerreiro

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