Acordei hoje com a sensação de derrotado e com uma vontade de me voltar para o lado e dormir até ao infinito. Pesam-me os dias em que tudo é estranhamente mau, e até o matinal café perde sabor quando toca o céu da boca porque não há céu, há somente a acidez de mais um despertar triste num mundo absurdo a raiar a loucura.
Bem que tentei regressar ao sono depois do xixi matinal, mas a força do hábito de estar acordado levou a melhor e pus-me a ler os jornais e logo piorei, nenhuma notícia era boa, todas um vale de lágrimas interno que não se vê, apenas se sente, num estremecer tremendo de dor, não física, mas emocional, daquelas que não se explicam por palavras como estas que consigo escrever porque vai para além de todas as palavras conhecidas, é como se fosse tudo breu. Total escuridão sem réstia de luz. A morte da esperança. Por fim lá me ergui de novo desnudo e entreguei-me à luxúria de um banho quente com a água a percorrer cada poro, cada pelo do meu corpo e nessa sensação revisitei os dias felizes, nessas memórias encontrei forças para voltar à vida como sonâmbulo, enfrentar novo dia porque tem de ser e porque assim deve estar certo. Aqui no extremo ocidental também se pode morrer como nas trincheiras da frente leste desde que sintamos nas narinas o cheiro execrável da besta rondando por perto mesmo longínqua que ainda esteja.
Tocou uma sirene. É uma ambulância a passar. Moveu-se o ar. É um avião com turistas a chegar.
No relógio mecânico ouço as horas a contar. É a vida a continuar.
Não, ainda não é hoje o dia em que me mato.
Hoje assobio para o ar o fado da gaivota e irei ver se o Tejo continua a correr até ao mar misturando-se nas águas de sal.