E de repente eis-me dentro da canção do Roberto Leal. A realidade pode sempre surpreender.
Aconteceu em Antuérpia numa autêntica tasca portuguesa, o Espigueiro, para a qual fui conduzido por mãos de amigos. Ainda não tinha pisado a soleira da porta e já os meus ouvidos detetavam sonoridades que se escutam desde o berço.
Três cavaquinhos e um acordeão faziam a festa como se estivessem numa aldeia de Braga ou de Monção a que juntou depois uma voz masculina à espera de outra que não tardaria a chegar para depois a desgarrada acontecer no coração da Flandres.
Mesmo para quem está mais habituado ao cante alentejano, como é o meu caso, foi deveras comovente realizar naquele exato instante que a portugalidade são todos os sons e todas as palavras do nosso cancioneiro, precisamente porque se está milhares de quilómetros de casa, sente-se epidermicamente o que é a alma pátria no escorregar de uma lágrima furtiva.
A propalada simpatia das nossas gentes era ali evidenciada como pouco vezes me dei conta de forma tão naturalmente genuína. Mesmo para os estranhos como eu a amabilidade lia-se no sorriso e nos olhares cúmplices do sentido da mesma pertença.
Apesar da ementa escrita em flamengo, todos os pratos que nela constam são os nossos petiscos feitos à moda dos patrões e a clientela não falta. Todos os pratos menos um. Caldo verde estava em bom português escrito. Não deve haver tradução que consiga dar-lhe o sabor noutro idioma que não o nosso.