Covilhã 1960
Na casa das persianas azuis viviam-se dias um bocado esquisitos para uma menina de 4 anos que ainda não sabia quase nada da vida.
A Madrinha Jija e a Guigui, andavam a rezar muito, mas mesmo muito.
Era costume todas as noites, rezar o terço enquanto se lavava e limpava a loiça do jantar.
Mas por estes dias, os pratos, os copos e talheres não chegavam para tanta reza que inquietava a menina dos olhos brilhantes.
Apanhando um suspiro dado pela Guigui, que dava uns suspiros sempre muito intensos, seguidos por um murmurar de “ai Jesus,” a menina lá tentou:
– posso-me “alevantar”?
– espera mais um bocadinho, respondeu a madrinha.
Tens que te habituar a saber esperar e estamos na quaresma, é preciso rezar pelas almas!
E lá continuava a ladaínha enquanto a atenção da menina se perdia no ramo todo verde que estava num copo alto em cima do armário, depois nos patos do bordado das prateleiras, depois contou os copos arrumados no armário que eram mais de 10 que era o máximo que sabia…
depois apertou e desapertou os botões do roupão, viu se o elástico do pijama estava escondido, deixou cair um chinelo e depois… acordou ao outro dia de manhã e as rezas já tinham acabado.
De mão dada com a madrinha que levava na mão o ramo todo verde, lá foram as duas para a missa que naquele domingo era diferente.
A igreja de Santa Maria estava cheia de pessoas com ramos e os santinhos todos que moravam na igreja, continuavam tapados com panos roxos, uma cor de que a menina não gostava mesmo nada.
Nunca na vida ia querer um vestido roxo ou uma cortina roxa a tapar-lhe a cara!
O Sr. Padre Zé, andou com um balde pequenino a atirar água para os ramos, círam uns salpicos no nariz da menina e ela deu uma gargalhada que fez as cabeças todas virarem-se para trás, numa chuva de véus mais ou menos bordados e mais ou menos direitinhos ou quase a cairem das cabeças viradas tão de repente.
No fim da missa a madrinha Jija deu o ramo á menina e disse-lhe que era para o dar à madrinha Julia porque era o dia das madrinhas e tinha que lhe dar o ramo.
Aquilo foi novidade, porque a menina pensava que aquele ramo não era assim muito bonito e era o das trovoadas.
Quando havia trovoadas, a Guigui tirava umas folhinhas do ramo igual aquele que ficava sempre em cima do bengaleiro, e queimava-o no fogão com umas rezinhas a uma santinha que se chamava Bárbara e manda os trovões embora.
Mas se a madrinha Jija dizia que era para dar à madrinha Juju, ela dava, mas a madrinha Juju estava no Porto a estudar só chegava daí a uns dias.
E lá foram as duas pela rua acima em direção a casa.
Quando chegaram ao fundo das escadas do Castelo a madrinha encontrou uma amiga, a D. Aromatiza, que vivia ali numa casa com uns portões altos e um jardim com muitas flores.
A amiga da madrinha disse-lhe para entrarem que ia colher umas flores para levarem para casa.
No jardim havia umas cadeiras e a madrinha disse à menina para ficar sentadinha à espera.
Sentar ao princípio, foi fácil. Mas depressa os bichos carpinteiros começaram a fazer-lhe coceguinhas nos pés que num instante saltaram para o chão.
Havia naquele jardim flores muito bonitas, muito mais bonitas que as do ramo que a menina estava a segurar.
Primeiro juntou umas cor de rosa que cheiravam muito bem, depois descobriu umas branquinhas que sabia que se chamavam andorinhas, depois viu outras amarelas que pareciam umas campaínhas grandes…
à medida que ia juntando flores, ia tirando e deitando fora os ramos verdes que não tinham graça nenhuma.
Só deixou ficar os mais compridos que cheiravam muito bem e tinham umas florinhas lilases muito pequeninas.
A madrinha lá apareceu com muitas flores na mão e a D. Aromatiza deu 2 biscoitos à menina porque a “pequena deve estar cheia de fome”.
E lá fizeram o resto do caminho, subindo para o Cálvário.
A madrinha pelas escadas, a menina sempre que podia, pela rampa que escorregava debaixo dos sapatos de sola.
A madrinha ia distraída a falar na Páscoa, na festa e quase nem olhava para menina que ia toda orgulhosa do ramo bonito que levava para dar à madrinha Juju quando ela viesse do Porto.
Chegadas a casa a menina foi a correr dar o ramo à Guigui para por na jarra.
Passados uns minutos aparece a Guigui com duas hastes verdes na mão, sem entender o que se passava
– Ó minha Senhora, então o que aconteceu à oliveira?
A madrinha olhou para o ramo, olhou para a menina que de repente ficou muito aflita e perante o ar espantado da Guigui, respondeu :
– Deixa lá Margarida, pode ser que este ano não haja trovoadas.
A menina escapuliu-se para o quarto e a Guigui ficou a resmungar :
– onde já se viu isto, um ramo benzido… onde terá ido parar?… valha-me Nosso Senhor…que Nosso Senhor nos perdoe…
Espero ter sido perdoada!