Cada um gosta do que gosta e poucos gostam do amarelo, quase ninguém gosta do outono e todos dizem destetar o inverno.
Parece que a maior parte das pessoas prefere a primavera e verão. Nada a fazer. É isto e está bem pois é da natureza humana que assim seja. Mas já da natureza da natureza o outono é porventura a época mais deslumbrante do ano no hemisfério norte.

Por altura do equinócio do outono, quando as árvores mudam as cores dos respetivos para recortes outros de surpreendentes matizes de castanhos, vermelhos e amarelos, violetas e roxos numa profusão de tons e cores, processo que constitui um enorme regalo para a vista de quem sabe olhar apreciando.

Passeando pelos parques, vagueando pelas avenidas, caminhando ao longo de um rio, desfrutando um qualquer jardim, nesta época do ano é altura de apreciar a beleza em estado puro, não a do viço primaveril, mas a da meia idade do ciclo da vida, de que as árvores se encarregam de nos lembrar na alegoria da sua transmutação sazonal.

A superlativa estética que nos apontam é de superior eloquência a roçar com força a emoção para quem contempla com o coração.
Depois, não contentes com o esplendoroso desfile na passerele da estação derramam-se generosa e profusamente no chão em omasos tapetes, convidando-nos de modo pueril a experimentar enfiar os sapatos na imensa folharada e desse ato retirar o mesmo prazer como quando enterramos os pés na areia da praia.

Mas, o melhor, manda a experiência, guarda-se sempre para o final.
Num dia incerto decidem, e às vezes até combinam entre elas, proceder conjuntamente à renovação do guarda roupa e sem pudor nem preconceitos despem-se ao léu e ficam todas nuas num genuíno streap tease em que se apresentam ao nosso julgamento visual descomplexadas de rugas, curvas, gorduras ou refegos da idade.

Houve um outono, faz já alguns anos, que presenciei um fenómeno deveras curioso e que aqui agora partilho.
Em Campo de Ourique, mais propriamente na rua Ferreira Borges, que é uma artéria toda ladeada por árvores, seguia eu tranquilamente e não soprava uma aragem, quando de repente se soltaram de todas as árvores e ao mesmo tempo milhares de folhas num espetáculo impar e por mim nunca dantes presenciado, parecendo mesmo que tinham combinado entre si aquele momento para mim e para os transeuntes que por ali passavam naquele momento mágico.

Um bailado nunca visto.
Cada folha que caía executava, ao modo clássico o seu passo. Tanto era um plié, como um tendu, ou um jeté, outros um ‘rond de jambe’, ou um ‘fondue’, distintos de um ‘frappé’, de um ‘grand battement’, ou ainda de um adagio, mas tudo en ‘dehors’, e não nunca num ‘pas de deux’, mas sim de milhares e milhões de passos em volta do ar até caírem exaustas no chão.
Agora que estamos já nos restos do outono com inverno à porta e com as luzes de natal a enfeitarem ruas, praças e até a decorarem as próprias árvores, é tempo de se podarem os ramos descarnados, de tratar da remoção das pernadas para que se voltem a desenvolver na próxima primavera com força, fulgor e graça de modo a nos voltarem a seduzir de novo na luxúria dos dias estivais em que cada sombra é uma bênção dos deuses.

Para mim, alentejano de gema, todo este colorido que agora me é dado a apreciar nas folhas caducas das árvores do norte da Europa, contrasta vivamente com os tempos dos meus primeiros anos, em que vivi perto das grandes extensões de sobreiros, azinheiras, pinheiros, árvores de folhas perene em que do fenómeno mal nos apercebíamos, apesar de não nos passar despercebido quando reparamos com maior atenção nos diospireiros, nos castanheiros ou nas figueiras, mas nada que se compare às tapeçarias produzidas aqui no norte dos dias muito curtos, frios de farta neve.