Há uma semana, milhares de pessoas de todo o País manifestaram-se em Lisboa em defesa da lei que criminaliza os maus tratos a animais, após o Ministério Público ter pedido aos juízes do Tribunal Constitucional que declarem a inconstitucionalidade do diploma.
Numa semana outras polémicas apareceram, e o tema parece ter caído no esquecimento… Isso deixa-me passada e preocupada porque tal não pode acontecer! Felizmente, acredito que as associações de proteção animal não vão deixar e muitos vão apoiar novos protestos e iniciativas se tal se justificar.
Na semana passada todos parecem ter-se voltado contra o Ministério Público, mas ao que tudo indica o problema foi causado em 2014, pelos que desenharam a Lei, os deputados da Assembleia da República, que a deixaram logo à partida num lugar extremamente frágil e coxa, carregada de ineficácia.
A Lei está cheia de boas intenções. Perante muitos casos que chocaram a opinião pública, veio finalmente criminalizar, com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, os maus tratos e violência contra os animais. Tendo em conta os requintes de malvadez de muitos destes crimes, as sanções até parecem curtas, mas já são alguma coisa tendo em conta que até 2014 nada havia.
O problema é que, pasme-se, a Constituição, a nossa Lei fundamental que está acima de todas as outras, não inclui a palavra animais no artigo referente aos crimes contra a Natureza e o Ambiente. E, pior, ninguém na Assembleia da República se lembrou de emendar isso lançando uma iniciativa de revisão constitucional, e nem sequer se aproveitou a última, ocorrida em 2015, já a Lei anti maus-tratos estava em vigor.
Em resultado deste ato falhado dos deputados, e uma vez que a maioria dos juízes do Constitucional preferem interpretar a Lei à letra, pelo menos cinco processos judiciais terminaram sem castigo assim que chegaram ao Tribunal Superior que, perante o texto da Lei Fundamental, os considerou inconstitucionais. Entre esses crimes sem consequências para o seu autor está o caso da cadela Pantufa, que morreu em agonia às mãos do dono que a esventrou a pretexto de uma cesariana, atirando depois os cachorros vivos para o contentor do lixo. Condenado a pena efectiva na primeira instância, beneficiou de pena suspensa na segunda instância.
Outros casos se seguiram, igualmente chocantes, sempre considerados inconstitucionais, sempre sem castigo, razão pela qual o Ministério Público terá tomado esta iniciativa para que, acredito, uma vez declarada inconstitucional, os deputados tratem de rectificar a situação ou seja, emendar o que está mal. O problema é que, uma vez a Lei declarada inconstitucional, os crimes contra cães, gatos e outros animais ficarão novamente como até 2014: impunes, algo inadmissível num País que se quer alinhado com o seu tempo: século XXI.
Infelizmente, não faltam pelo país actos de covardia e maldade, protagonizados por gente ignorante ou com algum distúrbio mental – na verdade muito pouco “gente” -, porque só a ignorância ou a doença mental explica que se deixe um animal à morte, abandonado numa estrada, num poço ou outro buraco, amarrado a uma árvore e sem alimento, para já falar dos que maltratam ou matam à paulada… As imagens divulgadas pelas associações ou pessoas isoladas que resgatam estes patudos são uma vergonha para todos nós. Atos monstruosos que terminam impunes, só autorizam a continuidade da violência.
Na última semana o tema silenciou-se mas não pode. Alguma coisa tem que ser feita, pelos deputados da Assembleia da República, os principais responsáveis pelo problema que agora existe, que têm de terminar o trabalho iniciado e tornar a Lei Constitucional e eficaz.
Por outro, os juízes do Constitucional, deviam ser menos quadrados na interpretação de um artigo da Lei Fundamental e respeitar mais o espírito humanista e visionário da nossa Constituição que, acredito, nunca impediria a criminalização de atos como o que levou à morte da Pantufa.
Se o grau civilizacional de um povo ou de um Estado se mede também na forma como trata os seus velhos, as suas crianças e os seus animais, muito abaixo nessa escala está ainda o meu pobre país.