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Vanda Semyonovna Obiedkova, de 91 anos, não conseguiu escapar aos bombardeamentos russos

Sobreviveu ao holocausto nazi e morreu numa cave em Mariupol

 |  Alexandra Ferreira  |  ,

Oitenta anos depois de escapar à morte no inferno nazi, Vanda Semyonovna Obiedkova, de 91 anos, não conseguiu escapar aos bombardeamentos russos na cidade mais massacrada da Ucrânia.

É pelo menos a segunda sobrevivente dos nazis a morrer na guerra.

De acordo com a filha Larissa que se manteve ao lado da mãe até à morte dela numa cave na cidade de Mariupol, enquanto a família congelava de frio e implorava por água, a sobrevivente do Holocausto  nazi,  Vanda Semyonovna Obiedkova, só perguntava uma coisa: “Porque é que isto está acontecer?”

Durante as duas últimas semanas de vida, Vanda Obiedkova estava doente e acamada. Aos 91 anos e sem apoio geriátrico já nem se conseguia levantar.

Morreu no dia 4 4 de abril. Não morreu de velhice e tranquila na sua cama. Não. A sobrevivente da última grande guerra foi mais uma vítima da invasão russa ao seu país, dos bombardeamentos e do cerco que fizeram à sua cidade natal.

“A minha mãe não merecia uma morte destas”, disse a filha de Obedkova, entre lágrimas, pouco depois de chegar com a família a um lugar seguro.

Larissa assistiu impotente à morte da mãe mas permaneceu ao seu lado até o último suspiro.

Após a mãe falecer, na cave onde a família se protegia das bombas em Mariupol, Larissa e o marido arriscaram as próprias vidas para enterrarem Obedkova.

Com o corpo dela nos braços e no meio dos bombardeamentos ininterruptos, conseguiram cavar uma sepultura num parque público a menos de um quilómetro do mar de Azov. E foi ali que sepultaram o corpo de esta histórica sobrevivente da II Grande Guerra.

Sinagoga de Cohen em Mariupol ajudava regularmente Vanda Semyonovna Obedkova

Rabino Mendel Cohen, no memorial anual do Holocausto no local do assassinato dos judeus em 1941.

“Mariupol inteira é um enorme cemitério”, disse à Chabad.Org, o rabino Mendel Cohen, diretor do Chabad-Lubavitch de Mariupol e único rabino da cidade portuária ucraniana.

Obedkova e a família eram membros ativos da comunidade judaica de Mariupol onde a matriarca recebia regularmente ajuda médica da sinagoga de Cohen.

“Vanda Semyonovna viveu horrores inimagináveis”, garantiu o rabino. “Ela era uma mulher gentil e alegre, uma pessoa especial que permanecerá para sempre nos nossos corações.”

Desde que a guerra eclodiu e que os russos puseram a cidade a ferro e fogo que Cohen tem trabalhado a tempo integral para evacuar os membros da comunidade do inferno de Mariupol.

O rabino está imparável e não larga o telemóvel nem no Shabat ou na Páscoa.

Aliás, foi Cohen que conseguiu, depois da morte da histórica sobrevivente da II Guerra Mundial, evacuar Larissa e a família da cidade para um lugar seguro de forma a escaparem à morte em Mariupol.

A dura história de vida de uma sobrevivente…

Nascida em Mariupol a 8 de Dezembro de 1930, Vanda Obiedkova, tinha 10 anos em outubro de 1941, quando os nazis entraram naquela cidade e começaram a cercar os moradores judeus.

A mãe, Mindel foi assassinada pelos nazis. O pai conseguiu esconder Vanda num hospital durante a ocupação alemã.

Quando as brigadas das SS chegaram à casa dos pais e levaram a mãe de Vanda, Maria Mindel, a menina conseguiu escapar da prisão escondendo-se numa cave.

“Ela não conseguia gritar e foi isso que a salvou”, conta Larissa.

A 20 de outubro de 1941, os alemães executaram entre 9.000 e 16.000 judeus em valas comuns nos arredores de Mariupol. A mãe de Obiedkova e toda a família estava entre as vítimas.

A menina foi detida mais tarde pelos soldados alemães. Porém, amigos da família foram buscá-la e convenceram os nazis de que Vanda era grega.

O pai de Vanda, que não era judeu, conseguiu que a filha fosse internada num hospital onde permaneceu até Mariupol ser libertada em 1943.

Obedkova fez um relato completo da sua vida e experiência do Holocausto à USC Shoah Foundation em 1998.

“Tínhamos uma fita VHS da entrevista dela em casa”, afirma Larissa, que observa que sua mãe reteve uma medida de iídiche até o fim. “Mas ardeu tudo com a casa.”

Obedkova casou-se em 1954, quando Mariupol era conhecida pelo nome soviético de Zhdanov e passou toda a sua vida na cidade. Nos últimos anos já morava com a filha Larissa devido a dificuldades geriátricas.

“A minha mãe adorava Mariupol. Nunca quis ir embora”, diz ela.

Quando os bombardeios começaram no início de março, a família mudou-se para a cave de uma loja vizinha de material de aquecimento. A única assistência que a família recebeu durante esse tempo veio da sinagoga e do centro comunitário do rabino Cohen.

“Não havia água, eletricidade, calor – e estava um frio insuportável”, conta Larissa que passava o tempo a cuidar da mãe acamada. “Não houve nada que pudéssemos fazer por ela. Estávamos a viver como animais!”

Dois franco-atiradores que se posicionaram perto das fontes de água mais próximas disparavam contra tudo, o que tornava cada viagem muito perigosa. Sem esquecer as bombas que caíam dos céus.

“Sempre que uma bomba caía, o prédio inteiro tremia. A minha mãe só nos dizia que não se lembrava de nada assim durante a Grande Guerra Patriótica [Segunda Guerra Mundial].”

Sempre a fugir e a perder 

Em 2014, quando a guerra começou entre os separatistas contra o exército ucraniano, Mariupol foi particularmente atingida.

Nessa altura Larissa e a família juntaram-se à comunidade judaica de Mariupol e foram evacuados com o rabino Cohen para um acampamento Chabad fora de Zhitomir, no oeste da Ucrânia.

Quando tudo acalmou voltaram a Mariupol. Mas Larissa diz que não há como voltar desta vez.

“Sinto muito pelo povo de Mariupol…”, lamenta comovida. “Não há cidade, nem trabalho, nem casa, nada. O que há para voltarmos? Para quê? Foi-se tudo. Os nossos pais lutaram para que os filhos tivessem uma vida melhor que a deles. Mas cá estamos a repetir as suas vidas novamente.”

O único e solitário ponto brilhante, diz Larissa, tem sido o rabino Cohen e a comunidade judaica Chabad de Mariupol, que tem sido uma tábua de salvação durante as últimas sete semanas de inferno.

“Graças a Deus , temos nossa comunidade judaica”, relembra Larissa, lembrando-se que a mãe adorava participar de festividades felizes ao longo dos anos, incluindo a Páscoa .

“As pessoas precisam da comunidade, da família, durante esses períodos. Isso é tudo o que nos resta.”

 

* Fonte: Chabad.Org/News

Créditos Imagem:

Chabad.Org/Facebook

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