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De acordo com a conclusão do relatório terá havido “no mínimo” 4.815 vítimas

Sete relatos de abusos sexuais na igreja

 |  Alexandra Ferreira  |  ,

Todos aguardavam por este relatório. Foi chocante! Admite-se que terá havido “no mínimo” 4.815 vítimas de abusos sexuais na Igreja.

Na leitura da conclusão do relatório, a Comissão escolheu os testemunhos de sete vítimas, representativos dos sete espaços onde a maioria dos abusos ocorre. Eis os relatos de abuso sexual na Igreja Católica divulgados pela Comissão Independente em discurso direto.

 

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O caso de um homem nascido na década de 50 num seminário no interior do país.

“Só aos 21 anos desabafei sobre as coisas que me aconteceram no seminário, a minha família é muito católica, os meus pais tiveram 11 filhos, sendo que quatro já morreram. Nasci em Lisboa, nesta casa onde não havia nem água, nem luz, os meus pais viam em mim a vocação para ser padre, era assim nas famílias numerosas.

Aos 10 anos vou então para o seminário X, era uma forma de dar menos despesas aos meus pais que viviam muito aflitos, era uma aparente vocação.

O padre B era o prefeito da camarata e engraçou comigo, ia à minha cama com a lanterna e apalpava-me, perguntava-me se eu já pecara. Vivi sempre sobressaltado, tinha medo porque era pecador e ia para o inferno.

Mandava-me ir buscar rebuçados cada vez que tivesse maus pensamentos, houve um dia que consegui 26 rebuçados. Quando ia ao seu quarto buscar, ele apalpava-me todo e metia a língua toda. Até que comecei a pedir-lhe para me confessar com outros padres para não ser sempre o mesmo, só que às tantas todos sabiam dos meus pensamentos e da minha vida.

Através de um amigo, chegou aos ouvidos do vice-reitor que me deu um chapadão, fui expulso por más companhias.

No seminário, as coisas extrapolaram para outra coisas – relação pedófila.

Na Páscoa, chegou o postal a dizer que ia ser expulso. Desgosto enorme para os meus pais, puseram-me a trabalhar, mas não conseguiram. Fui para Leiria, para um refúgio para infância desvalida. Eram 20 rapazes órfãos, estava lá o frei W, era bem pior porque era sádico, porco, muito mau.

Não aprendia nada. Tinha modos por ter andado no seminário e, por isso, no meio daqueles rapazes, era eu que acompanhava o frei W. Um dia fui com ele a casa de um benfeitor e durante a noite disse-me para dormir com ele.

Ia rodando entre os rapazes, deitava-se e adormecia, acordava com o pénis dele entre as minhas pernas e todo sujo. Depois dizia, agora tens que te ir confessar. Sentia muita culpabilidade, atolado em pecado, não contava nada na confissão, sabia lá… “

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O professor de Religião e Moral Católica que o acompanhava abusou dele. Aos 12 anos, na década de 80, foi abusado numa viagem de finalistas do 2.º ciclo organizada pela escola particular que frequentava.

Tinha então 12 anos e durante a noite fui vítima de abuso violento por parte do padre que os acompanhava, o seu professor de Religião e Moral Católica [sabe que não foi o único]. 

Pelo menos mais outros dois rapazes do meu quarto, éramos os mais tímidos, talvez os mais medrosos, estávamos juntos. Eu fui numa noite, o F outra e o H foi duas vezes, a primeira e a última da viagem.

Tenho vindo a ver o vosso trabalho, decidi que era agora, sei que ele ainda é vivo, já não trabalha naquela escola, mas penso onde andará esse tarado pois em qualquer sítio ele fará mal a outros.

Nunca me esqueço que o meu amigo não aguentou e, a meio da noite, vinha a chorar, a chorar, estava sentado na cama dele no nosso quarto. Ele não disse nada e eu também não contei que já tinha sido vítima disso, na noite anterior. Então perguntei-lhe se ele tinha medo e ele a chorar disse que sim e eu disse-lhe para ele se deitar na minha cama e assim os dois a adormecemos, mas ele demorou, tanto, tanto, a parar de chorar.

Não sei descrever isto, foi no verão de 2000 e nós estávamos de viagem de turma e estávamos ali sozinhos, longe de casa e dos pais e não havia nada nem ninguém a quem contar e só nos consolamos um ao outro. E desculpem pois agora estou eu a chorar, que escrevo isto e não sei mais dele”.

No final dessa viagem, acabámos a escola, separámo-nos e eu nunca mais o vi. Soube que ele partiu com os pais para a imigração. Sabem o que penso? Onde andará ele? E se um dia isto for com o meu filho? Filho da p*** do padre”.

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O caso de Guillaume, abusado numa capela do interior português. Nasceu em França na década de 70. Aos 16 anos veio com os pais passar férias a Portugal. Guillaume fez o depoimento por Zoom, a meio entrou num choro compulsivo.

“Tinha então 16 anos e como muitos turistas, visitava com os pais a capela na igreja. Ao saírem, dirigindo-se para a porta, vê alguém que identificou como um padre, a chamá-lo com a mão. Tivera uma educação católica e, para ele, padres eram pessoas em quem se podia confiar.

O padre teria uns 60 anos, leva-o para o fundo da igreja e mostra-lhe uma virgem cujo olhar parecia acompanhar o seu, achou mágico. Depois, leva-o para a capela, sempre a falar português e com gestos, para mostrar outra coisa, só os dois, mostra-lhe os dentes de uma caveira e depois os dele. Começa a acariciar-se nas calças, sempre a olhar para Guillaume, que nota que ele tem uma ereção. Dá-se conta de que está sozinho com o padre, que se coloca atrás de si.

A um dado momento, surge um outro homem que interpela o padre, e este subitamente começa a falar em francês e pergunta a Guillaume se o pai estava com ele. Começa a enervar-se e repele-o, ordenando-o que saia.

Guillaume sai da capela, entra na igreja completamente vazia e encontra a porta fechada à chave. Fica aterrorizado. Alguém por trás de si abre então a porta e fecha-a de novo à chave.

Encontra no exterior os pais, perturbadíssimos, preocupados com a sua ausência e diz-lhes que esteve com um padre: ‘Il ma fait des choses’ [Ele fez-me coisas], disse.

A mãe desvalorizou e ralhou-lhe: ‘Que mania tens de fugir, assim ficas a saber que não deves afastar-te dos pais’”.

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O caso do irmão abusado que a irmã assistiu. Foi na própria casa da família. Na década de 40, foi abusado na própria casa por um padre de uma paróquia no norte de Portugal. O relato é da irmã, que conta tudo já que a vítima morreu. 

“O meu irmão faleceu agora, ora eu penso que ele nunca contou nada do que vi, e o que eu vi não foi bonito e não posso eu ir para outro mundo, a carregar comigo este segredo.

Uma vez, na tal casita [arrecadação junto à casa da família], eu estranhei, eu estranhei e quando lá fui espreitar estava o meu irmão, coitadinho. Ele era muito bonito e perfeito, branquinho de pele. Estava ele despido de calças e roupa de baixo e o padre assim meio no chão a pôr o sexo dele na boca. Nunca tal tinha visto na vida, dantes essas coisas não se viam.

Pareceu tudo a passar muito rápido, fugi com o olhar e quando voltei a olhar estava o meu irmãozito, coitadito dele, o que ele sofreu. Sei lá eu o que aquela alma pode ter sofrido.

Estava ele agora no chão, como um animal e ele por trás, o padre, a enfiar-se nele e ele aflito de lágrimas de chorar.

Peço desculpa, já não consigo contar mais, e espero que chegue para saberem que foi tudo verdade.

Ele detestava padres, tanto que disse que quando morresse não havia de querer nenhum, que o deixassem era ir em paz, e assim foi, quando faleceu agora há pouco tempo”.

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O caso do abuso sexual de meninas num colégio de freiras contado por uma senhora, vítima, nascida nos anos 60, quando se preparava para a 1ª comunhão.

“Quando nos estávamos a preparar para a primeira comunhão, na disciplina de Religião e Moral, a nossa turma de 28 alunas dividiu-se em grupos de 10. O meu grupo foi para a capela, onde ficámos sentadas nos bancos à espera, um arco à frente e por detrás desse arco, o confessionário, escondido.À medida que duas, três ou quatro colegas voltavam para os seus lugares, vinham coradas, nervosas, para mim estranhas.

Quando chegou a minha vez, percebi porquê, as palavras suaves do padre, as festas na mão, na cara, nas costas, e a seguir dentro das minhas cuecas, e sempre com palavras suaves. Senti-me mal, aquilo não era normal, era esquisito, falso e desconfortável.

Comentei, não me lembro com quem, do meu grupo de colegas e, passado um tempo, talvez duas horas, a madre chama-me ao quadro e, diante da turma, diz que eu sou uma mentirosa, pecadora e que devia ser castigada. manda-me ir às cozinhas buscar uma colher de sopa de pimenta em pó, com a nota de que não deixasse cair nem um bocadinho. Cheguei à aula com a colher cheia, fez-me engolir tudo de uma vez diante da turma inteira porque era uma pecadora, uma mentirosa e tinha de ser castigada, em público.

Ainda sinto a sensação de quase morrer asfixiada com a pimenta na garganta, nariz, pulmões, olhos e ouvidos. Senti-me violentada pela segunda vez no mesmo dia”.

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Uma mulher nascida nos anos 80 numa aldeia muito pequena foi vítima de um padre abusador que era diretor do coro, pessoa de grande confiança da mãe, teria na altura 50 a 60 anos. Entretanto já faleceu.

“Não me lembro do princípio nem do fim, sai que frequentava o 1º ano do ciclo e pertencia ao coro. A casa do padre ficava ao fim de uma rua escondida, onde não havia ninguém. Ele ia-me buscar a casa porque eu cantava e havia os ensaios do coro que ele dirigia. Era essa a desculpa. Depois íamos para sua casa e durante mais ou menos três horas, via tv, lanchava e depois, sentada no sofá, começava a tocar-me.

Nunca houve penetração, só uma vez encostou o seu pénis ao meu corpo. Despia-me, mas não totalmente. Baixava as cuecas, mexia-me e masturbava-me.

Não me lembro de como terminou, mas talvez o facto de eu ter ido estudar para outra escola possa ter sido a causa. Não me lembro do último dia, a última imagem de que me lembro é de eu própria a masturbar-me.

Até ter contado e, agora, a fazer psicoterapia, percebo o sentimento de culpa que sentia e que me impediu de o fazer. Sentia que o que me acontecia era por minha culpa e era errado, sabia que era algo de mal, que não queria, que não devia acontecer, mas não me lembro de ser ameaçada. Sentia-me culpada.

O padre amigo a quem contei, em 2016, aconselhou-me a ligar-vos. Já na altura do caso casa Pia eu congelava a ouvir as notícias”.

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O caso da rapariga de 12 anos que confessou ter sido abusada durante a catequese. O padre tinha cerca de 45 anos. 

O padre fazia-me perguntas porcas no confessionário, obrigava as miúdas a falar de coisas porcas. Ele então tocava nas raparigas, mas perguntava se nos masturbávamos, se enfiávamos o dedo, se pensávamos em fazer amor.

O mesmo aconteceu com muitas moças dos escuteiros e da catequese.

Várias delas juntaram-se e contaram à chefe, que acreditou no relato das jovens. A chefe disse para não nos irmos confessar mais e que os chefes iam falar com o bispo. Não aconteceu nada, nada foi feito. Os escuteiros foram expulsos e o padre ainda lá está e eu sei que faz o mesmo. 

Fiquei com muita vergonha e com pesadelos. Tenho muita vergonha ainda e acho que sou suja, não consigo ter namorados porque tenho medo que me perguntem coisas ou queiram fazer coisas para me sentir porca.

O padre meteu-me muita vergonha e contava coisas como se fosse maluco e arfava e gritava com as raparigas. Ameaçava com o diabo!

 

Créditos Imagem:

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