Para quem percorre o litoral meridional da África do Sul no sentido leste a partir da cidade-berço (a Cidade do Cabo), a cerca de 400 quilómetros situa-se a cidade de ‘Mossel Bay’ (a ‘Baía dos Moluscos’, assim denominada pelos holandeses no século XVII).
No centro desse litoral meridional africano nota-se, aqui e ali, designações celebrando ‘Saint Blaize’; como o Farol de ‘St. Blaize’, ‘o trilho (“trail”) de St. Blaize’, a Igreja Católica de ‘St. Blaize’ (em ‘Mossel Bay’); entre outras.
Em SAGRES, no Algarve, ficara concebido o projecto do Infante Dom Henrique, quarto filho de Dom João I de Portugal e de Dona Filipa de Lencastre, que teve seguimento nas insistentes iniciativas de Dom João II, sobrinho-bisneto do Infante.
O Infante buscava o mítico Reino Católico de Prestes João no litoral africano do Índico; o Príncipe Perfeito demandava terras da Índia.
Assim foi que a 5 de Agosto de 1497 zarparam do rio Tejo duas caravelas de 50 tonéis cada e uma naveta com mantimentos. A caravela São Cristovão era comandada pelo escudeiro Bartolomeu Dias, a naveta por seu irmão Diogo Dias.
Missão: sulcar águas litorais africanas do Atlântico na busca de um fim concludente: chegavam terras de África a um limite, havendo para a pequena armada ‘passagem para o outro lado’, ou seria que África se estendia até à Antártica…
Devido à lenta navegação à bolina frente a contrária e forte corrente fria (a Corrente de Benguela) e de ventos também do sul, Dias seguiu para sudoeste afastando a frota da costa africana. Após 13 dias e tenebroso temporal rumou para leste tentando reencontrar a costa.
Para surpresa de todos, encontraram mar aberto; ao rumarem para Norte deram com a linha costeira meridional de África – tinham circundado o Cabo das Tormentas (dobrado no regresso ao Reino) sem o saberem.
Numa enseada lançaram âncora, abastecendo-se de água fresca num riacho. O capelão notou no Calendário Hagiológico (litúrgico do rito romano da Igreja Católica) e o Escrivão, também a bordo, registou tratar-se de ‘O Dia de São Brás’ (3 de Fevereiro) de 1488.
Assim ficou assinalada a Aguada de São Brás (‘St. Blaize’, em inglês). Muitos navegadores e suas armadas, como a de Vasco da Gama, em fins de 1497, a de Pedro Álvares Cabral, em 1500, e muitas outras, lançaram âncora naquela baía.
Nos princípios do século XVI, regressado da índia, ali também ancorou a pequena armada de João da Nova (navegador de origem galega ao serviço de D. Manuel I). A João da Nova ficou atribuída a descoberta das Ilhas Ascensão e de Santa Helena, no Atlântico, e o seu nome foi dado a uma pequena ilha no Canal de Moçambique.
Numa árvore Pau de Leite sobranceira ao mesmo riacho na Aguada de São Brás encontraram os marujos uma missiva ali deixada por Pedro de Ataíde, informando que num violento temporal a sua caravela sofrera tamanhos danos que o impossibilitavam de continuar rumo à Índia.
A força dos ventos e de pavorosas ondas tinham afundado caravelas da mesma frota, pelo que tentaria regressar ao Reino, deixando nessa árvore informação do seu infortúnio. Missiva que passou ao acervo da Torre do Tombo em Lisboa.
Essa mesma árvore de Pau de Leite foi designada monumento histórico, o primeiro da África do Sul: A ÁRVORE DO CORREIO (assim denominada).
Hoje, continua verdejante, centenária e sobranceira ao mesmo riacho, ladeando a entrada ao Museu de Bartolomeu Dias de ‘Mossel Bay”.
No interior do Museu encontra-se uma réplica da caravela de Dias (a caravela ‘Bartolomeu Dias’). Réplica que foi construída em Vila do Conde, em Portugal, que levantando âncora no Tejo lançou-a na enseada de ‘Mossel Bay’ exactamente 500 anos após a chegada de Dias ao mesmo local: a 3 de Fevereiro de 1988.
O projecto do Infante teve início em 1416 ao ordenar uma viagem de exploração atlântica que levou à redescoberta da Ilha da Madeira dois anos depois e a muitos outros Descobrimentos. A construção e armação de caravelas e a preparação de tripulações custou a D. Henrique toda a sua riqueza (na altura a maior fortuna pessoal do Reino), vindo a falecer endividado. Poucos, se alguns, terão sido na História da Humanidade aqueles no Poder que tenham empatado todos os seus activos num projecto de interesse nacional.
Zabel, reconhecida poetisa popular, dedicou um poema ao projecto do Infante, que aqui lavramos com a devida vénia:
Grito Histórico
Ante mil pedras e penhascos loucos,
Um mar azul sorrindo a quem olha,
Espelho opalino reflectindo, aos poucos,
Os grãos de areia que, maldoso molha.
E, plo caminho, de costas para o mar,
Nos campos secos baila, alegre, o feno,
há cardos chamejantes a enfeitar
Essa aridez soturna do terreno.
Das coisas singulares Que o Mundo tem,
Tu és, Sagres, confesso, a mais perfeita!
És o Grito de História que convém,
Ecoe plo Mundo inteiro, a todo o instante,
Como mensagem lírica escorreita,
Tal como a que mandou o nosso Infante!
(Zabel Moita / Aljezur)
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