Já vos falei várias vezes do avô Barata e das várias facetas da sua personalidade. Hoje vou-vos falar do avô das crenças e das raízes populares.
O avô nasceu na Covilhã e era descendente de industriais covilhanenses e de Penamacor com raízes de cristãos novos.
Tinha ascendência Italiana por parte da bisavó Materna carregadas de tradições religiosas.
Foi casado com uma raiana de Valverde del Fresno que viveu em Vale de Espinho toda a juventude. Depois casou em segundas núpcias com uma Lisboeta de gema, amante do estudo das tradições populares.
Para o não chega também a Guigui era raiana e uma católica praticante mas que temia e respeitava as tradições ancestrais.
Podem calcular como eram os nossos serões cheios de histórias e superstições, de lobisomens em encruzilhadas, de bruxas e mouras encantadas, de milagres e bençãos prodigiosas, de rezas e sortilégios.
Vou contar-vos as memórias que o avô contava do S. João da Covilhã no tempo do pai dele e do avô, portanto entre 1800 e 1870.
O avô contava que o S. João na família era vivido com muita intensidade e misticismo.
Começava no dia 22 de manhã com a morte do borreguinho (não cabrito) e com a pintura de uma pequena cruz de sangue na empena da porta trazeira da casa, não na que deitava para a rua por causa do estigma(não esquecer que uma grande maioria dos covilhanenses eram descendentes de judeus)
Contava que o pai lhe dizia que quando era novo era costume acenderem-se fogueiras em frente às casas do calvário.
Pela madrugada, as irmãs e tias solteiras iam à serra apanhar rosmaninho, giestas e carqueja (que deviam ser apanhadas pelas moças casadoiras).
Os rapazes traziam lenha, de preferência de carvalho, castanheiro, faia, oliveira e teixo.
As raparigas guardavam ramos de rosmaninho que colocavam numa taça de barro (obrigatoriamente, porque era feita de terra natural ) à noite punham no quintal para apanhar o orvalho do S. João em que passavam as mãos na madrugada do dia seguinte.
Passavam as mãos molhadas de orvalho na cara para que ficassem livres de espinhas, cravos e outras marcas que as desfeiassem e depois limpavam-nas a um lenço que guardavam num bolso e que davam ao rapaz que queriam para marido.
Como estava molhado com o orvalho do S. João, aquele santo com fama de namorisqueiro incendiaria o coração do rapaz escolhido.
À tardinha a maioria da lenha era transportada para o Terreiro de Sta Maria, onde à noite na presença dos Homens Bons da Covilhã se faria uma grande fogueira, com troncos de arvores de sabedoria (castanheiro, carvalho, oliveira e teixo) ateada por carqueja (simbolizando a humildade dos homens) perfumada com rosmaninho e giesta da Serra.
O fumo que saía das fogueiras, proveniente das madeiras queimadas, defumaria os Homens Bons da Covilhã dando-lhes sabedoria para as resoluções que tivessem que tomar.
Ao redor da fogueira, tocava-se, cantava-se e dançava-se pela noite dentro.
Segundo ele, estas fogueiras deixaram de se fazer quando saiu uma lei que obrigava ao pagamento de uma licença para fazer fogo.
Entretanto nas casas de cada um, já anteriormente se tinham feito arcos de roseira selvagem (silva macha) que se tinham disposto na entrada das casas e por onde todos os membros da família passavam para terem saúde e prosperidade não sem antes terem saltado a sua fogueira acesa ao pé de casa. (Esse ritual era o defumar de todas as maleitas, mau olhado e desventuras.)
Ao outro dia, de madrugada, era o recolher do orvalho pelas raparigas.
Depois havia o grande almoço de cordeiro e papas carolo de milho.
À tarde era a romaria às ribeiras, onde se molhavam os pés na água de S. João.
Essa água era também recolhida num caneco que seria usada para benzeduras e rezas.
Depois era o bailarico, mais uma vez no terreiro de Sta Maria, embora se fizessem também no Pelourinho, onde versos ao S. João eram desfiados à porfia e as raparigas enfiavam à socapa nos bolsos dos escolhidos os seus lenços do orvalho.
Estas recordações, são o que são…
Memórias de tempos passados onde a religião, a crendice e o sobrenatural se misturavam.
Mas não deixam de ser engraçadas.
Resta-me desejar-vos uma boa noite de S. João e se amanhã encontrarem plantas orvalhadas, mergulhem as mãos e passem pela cara…garanto que as rugas desaparecem…
Divirtam-se e sejam felizes