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Monteiro Cardita
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Peluches deitados ao lixo

Boa parte das crianças no mundo ocidental têm os seus quartos repletos de peluches, uns maiores, outros mais pequenos, uns caros, outros baratos, que profusamente se amontoam nos quartos de dormir ou brincar, mas quase todos amados ao início para logo depois perdem a sua sedução inicial mal são acariciados numa primeira brincadeira pelos respectivos donos e passam a ser mais um objecto sem qualquer função útil.

Avós, padrinhos, amigos e pais fazem absoluta questão de oferecer a cada criança peluches que tanto podem revestir a forma de um golfinho como a de uma tartaruga, de um panda como a de um urso, de uma girafa com a de um leão, de um hipopótamo como a de um pelicano, ou de um outro qualquer animal que os designers inventem para reprodução maciça e posterior venda nas grandes superfícies comerciais ou nas lojas destinadas ao público infantil.

Chega, porém, um dia em que não há mais lugar para tanta bonecada, seja porque a criança cresceu e se tornou um adolescente focado noutros gostos, seja porque é necessário encontrar mais espaço para a renovação do quarto, seja porque deixou de ser um objecto merecedor de valor afectivo, tendo nessa função sido substituído por uma outra modernice, que é agora a coisa mais linda.

Outro dia passeado pela cidade o meu olhar recaiu num contentor onde jazia deitado ao lixo um enorme urso de peluche cor de mel, quase novo, que muito provavelmente terá feito as delícias de uma criança que lhe atribuiu um nome fofinho; lhe decorou um canto do quarto e terá custado uma pequena fortuna a quem o compro e que viu naquele objecto a expressão efectiva de um amor materializado.


Faltou-me no momento o instinto fotográfico e lamento não ter fotografado aquele plano que deveras me impressionou por retractar exemplarmente o esplendor de uma sociedade de abundância em que se usa e deita o fora, sem pena nem remorso, o que deixa de significar qualquer réstia de utilidade ou préstimo.

Dei comigo a pensar nas crianças do lado mais pobre deste nosso mundo para as quais aquele urso de peluche ainda poderia ter contribuído para muitas alegrias nas horas da brincadeira.

Mas não, o lado egoísta venceu claramente, e em vez de se reconverter o objecto e oferecê-lo a uma instituição ou a um familiar mais novo, foi bem mais expedito deitar ao lixo um peluche que assim acabou sem qualquer glória ou dignidade a sua vida útil.

Naquela alegoria interiorizei ainda mais profundamente o sentido fútil desta nossa sociedade de consumo em que é o que se tem, onde os valores da partilha, da solidariedade e da fraternidade, na grande maioria dos casos não passam de palavras ocas e sem valor atiradas para os caixotes de lixo das nossas vidas.

Créditos Imagem:

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