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Quica Melo
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Os beijinhos do Sr. Paiva

Andava eu a procurar uma fotografia e dei de caras com esta que me fez voar num instante até à Covilhã e me fez sorrir.
Num instante viajei para a mercearia do Sr Paiva, onde ia com a Guigui “aviar” algumas compras de ultima necessidade e deixar a lista de compras que ele depois ia entregar lá a casa.
Enquanto a Guigui, aprumada no seu vestido de xadrezinho verde, debruado a verde escuro, pedia o que necessitava, eu ficava sentada (ou pelo menos tentava ficar) no banco beje, mesmo à porta.
Os meus olhos erravam pelas prateleiras, perdendo-me nos “queria”, nos “que bom”, nos “belhéques” e por aí fora, conforme ia encontrando as mercadorias sempre muito arrumadas e sempre no mesmo lugar.
Por fim, e em local que os olhos das crianças pudessem ver (já nessa altura as técnicas de venda eram conhecidas) lá estava a grande embalagem de vidro com uma tampa de encaixar, de onde os beijinhos de todas as cores olhavam para mim, desafiando a promessa de ficar “sentada, quieta e calada”.
Ficámos ali a namorarmo-nos, entre piscares de olhos, cabeças viradas para descobrir se havia muitos  amarelos, meus preferidos, e a pesquisar se havia muitos piratas que já tinham perdido o açucar.
Por fim, o ficar calada tornou-se insuportável
-Guigui, ó Guigui!
– Está caladinha!
Bem, falar não deu efeito.
Comecei a mexer o rabiosque no banco que balançava as suas pernas coxas e fazia barulho no chão de cimento pintado.
O batuque era tal que o puxo da Guigui começou a balançar de nervosismo e rapidamente virou a cabeça, olhou para mim com olhos de poucos amigos dizendo:
– Está quieta mafarrica. Eu dou-te os bichos carpinteiros, ai dou, dou!
Pronto, o estar quieta também não tinha dado resultado!
Restava infingir a última promessa.
Ainda pensei duas vezes, porque as sacudidelas de mãos da Guigui não eram para brincadeiras, mas aqueles beijinhos eram provocatórios. Olhavam para mim sem desviar o olhar, como quem diz ” anda, vai lá… pede”
E assim foi!
Dei um pulo do banco e aproximei-me da Guigui, puxando-lhe pela manga e disse-lhe numa vozinha delicodoce que usava quando queria pedinchar:
– Guigui, podes comprar beijinhos?
A Guigui olhou para mim, com os óculos muito bem encaixados no nariz, a ponderar o meu pedido.
-Hoje não há cá beijinhos!
– Há, há!!!
Respondi eu apontando para os visados que me espreitavam por  trás da sua redoma de vidro.
A D. Alice (não tenho a certeza se era esse o nome, mas é o que a minha memória associa ) virou-se para a Guigui e ajudou à missa:
– Leve lá uns beijinhos à menina! Ande que ela porta-se bem.
E assim foi que vi a senhora pegar num cartucho branquinho, não tão grande como eu queria, e com aquela pázinha de alumínio que alternava o serviço entre o arroz, os feijões, o macarrão e as gulodices, lá encheu o saquinho com os mafarricos que há meia hora me atormentavam.
Ainda tive direito a um atrevido que caiu no balcão e perdeu o biquinho do chapéu de açucar.
Não era amarelo, mas era bom na mesma.
Quem não gostava de beijinhos?
Eu ainda gosto.

Créditos Imagem:

DR (Quica Melo)

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