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Os barcos de rodas

Foi pelos documentários do cinema, que na época antecediam a projeção dos filmes de fundo, que nos esperançosos anos 40, Hollywood revelou ao mundo os barcos de rodas , típicos do rio Mississipi, que logo fizeram muita gente sonhar com um passeio único, a fazer talvez um dia, se a vida assim o proporcionasse.

Pois sob este título, vou hoje revelar-vos a surpresa que eu próprio tive, corria a década de 60, em plena África Oriental.

Desagua na costa nordeste de Moçambique, um dos maiores rios do continente Africano, o Zambeze, num pequeno porto de mar, onde o rio entrega ce as suas águas, cansadas de voltas e ressaltos durante mais de sete mil quilómetros, ao verde e lendário Oceano Índico; o Porto do Chinde.

Por esse Porto saía para o Mundo,  açucar de cana branco e amarelo,  produzido por uma Companhia que a cem quilómetros para o interior se estabelecera, construindo duas fábricas, que deram lugar ao crescimento de  duas povoações, já que era necessário alojar trabalhadores e serviços, e criar um ambiente de vida agradável e seguro.

O Luabo foi a primeira delas, Sede do Grupo, e a segunda Marromeu , outros tantos quilómetros acima.  Nas fábricas e no campo trabalhavam em permanência centenas de pessias, e muitas mais na época do corte da cana sacarina.

E embora em ambiente isolado, num tempo em que as comunicações eram escassas e a Rádio era rainha, nada contudo a quem lá vivia faltava; havia duas unidades hospitalares, com pessoal médico e de enfermgem, ao serviço de todos.

Porque na altura para chegar ao Luabo por terra era moroso e atravessava zonas de vida animal selvagem havia na saída da vila, uma curta pista de relva, para  aterragem de pequenos aviões monomotores, disponíveis  como táxi aéreo, nos aeroportos mais próximos, a menos de uma hora de vôo, viajando o passageiro, muitas vezes, ao lado do piloto.

Era raro o dia em que lá não aterrasse um desses táxis aéreos, com visitantes ou fornecedores, e o piloto passsava sobre o casario e acelerava uma ou duas vezes o motor, para que a carrinha de transporte fosse buscar quem chegava… Já que  a “pista” ficava distante do centro.

O avião voltava à base, e retornava para recolher o cliente, na hora combinada.

Era em visita profissional ao director médico, que ia periodicamente ao Luabo, mas nunca tinha tido tempo para espreitar o pequeno cais de  carga, no rio Zambeze, que passava a curta distância, ao qual chegavam vindos do porto do Chinde, rio acima, os víveres e outros materias  necessários ao funcionamento fabril e à vivência humana.

O mesmo barco, em torna viagem quase contínua, rio abaixo dessa vez, transportava o açucar, já pronto e ensacado, para o porto de mar.

Pois daquela vez calhou ter tempo, e ainda bem que assim foi. Amarrado ao cais estava um barco, duma frota de dois pertencente à Companhia, e para meu espanto,  porque de tal não tinha conhecimento, era um barco de rodas, movido como os tais ícónicos navios do Mississipi…

Não era, claro, da dimensão dos que o cinema desvendara e fizera célebres, mas ainda assim, de razoável  tamanho para o  árduo trabalho a que se destinava. Após as cargas e descargas, subia e descia o rio, sem paragem, no percuro de cerca de 80 Km entre o Luabo e o Chinde, sempre cheio.

Os barcos de rodas, não têm propriamente rodas, mas são movidos por uma “roda cilíndrica com pás” que ocupa todo painrl de pôpa, e que o motor faz rodar; essas pás atacam a superfície da água, fazendo mover a embarcação, substituindo com vantagem o habitual hélice profundo e, evitando assim, o encalhe nos  baixios, que são  comuns no leito irregular dum rio e fonte de desastrosos resultados.

Creio ter sido essa a razão da invenção da tal “roda motora”: manobra mais fácil e segura em águas baixas e de fundos mutantes.

Os barcos do Luabo tinham duas cabinas para alojar  quem quisesse ou precisasse fazer a viagem, de cerca de onze horas. Eram  seis, creio, os trripulantes: um comandante, que vivia a bordo com a sua esposa, já que o barco era a sua casa diária, e quatro marinheiros, dois dos quais homens de leme, que conheciam os caminhos e segredos do rio como ninguém.

Claro que não hesitei. Dia e noite foram uma experiência única. Pelo caminho, e nas imensas ilhotas emergentes, estendidos no areal, dezenas de crocodilos apanhavam sol, e olhavam fixamente para o navio, a pensar sei lá o quê…

Afinal o barco de rodas tinha irmãos longínquos…que mereciam esta simples mas grata recordação.

Para terminar, o meu pensamento da semana…

Tudo pode acontecer na vida: o que queremos, e o que não queremos…  

Créditos Imagem:

Divisão de Gravuras e Fotografias da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos; Blogue Delagoa Bay Fotos de Moçambique

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