Não deixa de ser curioso ser precisamente agora, que o novo carro elétrico é a mais conspícua imagem das televisões de todo o Mundo, que vos venha falar do velho carro elétrico, transporte coletivo saudoso e indispensável, por cá pintado de amarelo, e companheiro diário dos citadinos de quase todas as capitais do início do Século XX.
Quando o homem deixou no campo a sua aldeia, na esperança de viver melhor agrupando em cidades de grande dimensão, o problema da sua deslocação deu lugar ao carro elétrico, sobre carris, que recebia a sua força motriz por via duma catenária aérea, solução que após montada, para os circuitos mais favoráveis, era fiável, económica, de baixa manutenção e sempre disponível.
E assim foi, tanto no fundo de África à beira do Índico, como na capital lusitana, onde em 1901 apareceram, pintados de amarelo forte. Fazer o circuito completo de qualquer dos percursos, e estamos a falar de largos quilómetros, custava somente um escudo, e o percurso normal, apenas metade. Os bancos para duas pessoas eram suficientemente cómodos, e se estivessem todos ocupados, podia-se viajar de pé, no corredor.
Por essa altura, quando não havia lugar sentado, os homens cediam o seu lugar às mulheres, e os jovens faziam o mesmo aos mais velhos. Pois é…era assim.
O velho carro elétrico, tinha dois tripulantes: o cobrador, a que popularmente se chamava “o pica”, que vendia os bilhetes e os picava com um alicate próprio, para que não pudessem ser usados mais do que uma vez, e o guarda-freio, que punha em marcha o veículo, e o travava ou frenava, quando alguém tocava a campainha para descer. Tinha largas janelas, que mostravam em sequência toda a cidade, e a sua vida.
Chegado ao fim da linha, cabia ao guarda-freio virar no sentido contrário o contacto da catenária, e ocupar na outra ponta do elétrico, o posto de comando em tudo igual ao anterior, e era só dar um toque na alavanca manual de aceleração, para fazer o percluso de volta…
Mesmo depois do aparecimento dos autocarros mecânicos, por volta de 1950, os elétricos continuaram sendo o mais popular meio de deslocação nas cidades, até que as edilidades das maiores urbes, perante o desenfreado crescer do carro próprio, optassem no metropolitano, mantendo apenas um ou outro circuito mais interessante, como peça turística do passado, ainda bem útil, carismática e saudosa.
Quantas histórias e vida poderiam contar esses sobreviventes, se pudessem falar, claro, desde namoros a casamentos, de amizades por vida, a episódios insólitos que dariam um longo e interessante filme sem fundo…
Volto ao velho elétrico para dizer-vos que para breve se anuncia o aparecimento do moderno elétrico citadino, sobre carris, nesta nossa “Lisabona Lusitana”, com capacidade para 220 passageiros, articulados para superar os circuitos sinuosos, mais cómodos, com entrada automática para cadeiras de rodas, e, inevitavelmente, com acesso à internet, e talvez, digo eu, com tomada para carregar o telemóvel; e com a tal cor que ficou para sempre, como o amarelo da Carris…
Aqui fica o meu pensamento sobre o assunto:
“Há ideias que não morrem: renovam-se!”