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Monteiro Cardita
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O Sintrense, o cacilheiro

Por nostalgia romântica quis revisitar a outra margem, ou a margem sul como também se diz, e atravessar o Tejo não sobre a ponte, mas cruzando as ondas do rio da nossa aldeia e assim gozar de um tempo de pausa em jeito de romagem a Cacilhas com um pulo a Almada.

Debrucei-me sobre as janelas da embarcação e fiz todas as fotos que quis, mas sem poder ir à ponte como antes se permitia, o que causou uma certa frustração passageira, uma vez que teria tido uma visão completa do estuário e da sua belíssima envolvente. Fiquei-me pela imagem da minha memória, que não consta no iCloud.

O que não contava de todo era encontrar ainda ao serviço um dos mesmíssimos barcos d’outrora, o Sintrense, mas agora todo grafitado, degradado, cadeiras partidas, descoloridas, e, para mal dos meus pecados, sem casa uma de banho sequer para verter águas, urgência que teve de esperar mais de um quarto de hora para além do previsto. Aqui fiquei irritado para além do razoável e vociferei uma série de palavrões que não reproduzo aqui.

Os rostos das pessoas que seguiam a bordo diferiam. Se eram locais iam tristes, apressadas e alheados. Já os turistas seguiam divertidos, debitando brejeirices, segurando uma lata de cerveja nas mãos, entremeadas por interjeições de espanto pela paisagem que pela vez avistavam.

Os transportes públicos (por aqui onde me encontro chamam-lhes comuns), pelos quais me desloco são de excelente qualidade, funcionam sempre a hora, encontram-se sempre em constante renovação, e depois a higiene é ponto de honra com equipas de limpeza e desinfeção nas paragens terminais. Tudo bonitinho, previsível e alinhado ao modo da Europa do norte.

Visto de fora, os nossos transportes públicos padecem ainda de um outro mal que respeita ao modo de pagamento dos bilhetes, o qual para meu espanto é feito à moda antiga, isto é, não estão preparados para se proceder ao pagamento com recurso ao multibanco usando o sistema contact less. Estará para breve, dizem.

Apesar de infeliz e triste pela constatação neste particular item da persistente pobreza relativa do nosso muito amado país, não deixei de galgar feliz as ondinhas do Tejo e sorrir para todas como se avistasse uma tágide a cada minuto da travessia.

Tal era meu o estado de alegria por ser beneficiário líquido, como agora sói dizer-se, de uma paz inexplicável que me invadia as narinas e se alastrava pela pele atingindo todos os sentidos por igual no sabor a sal.

Porém, para minha enorme satisfação veio pouco depois ao meu conhecimento a informação de que os velhinhos cacilheiros da minha infância, juventude e idade adulta até, iam ser substituídos brevemente por novas embarcações, cómodas, modernas de acordo com os elevados padrões de qualidade que se impõem aos países do primeiro mundo onde afinal nos integramos.

Da próxima vez que voltar a galgar o Tejo espero já ter o privilégio de o fazer nos novos cacilheiros e, máxime, avistar golfinhos nas suas cabriolices no estuário da capital portuguesa, o que é um percurso de alma.

Créditos Imagem:

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