“Devemos matá-la ou mantê-la viva?”.
Esta era a frase que os russos repetiam um ao outro enquanto violavam Natalya num quarto e o filho de 4 anos chorava noutro local da casa. O marido, Andrey, jazia morto no jardim pelos russos que a violavam com uma arma apontada à cabeça. A mesma que matou o pai do seu filho
“É melhor calares a boca ou eu vou buscar o teu filho e mostrar-lhe o cérebro da mãe dele espalhado pela casa”, ameaçava um dos soldados russos que a estavam a violar.
Natalya não teve tempo, sequer, de chorar o marido morto no jardim, apesar dos lençóis brancos nas janelas e portão. Nada disso serviu para travar a tragédia.
Mas a vida desta família que amava viver no meio da natureza ia mudar para sempre devido à invasão russa da Ucrânia e aos abusos cometidos pelos soldados russos às mulheres que encontram no seu caminho de destruição.
Este é só um dos tantos relatos de mulheres violadas pelos invasores. Umas violadas e mortas. Outras violadas e que conseguiram fugir apesar do medo de serem abatidas pelos violadores.
A procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, revelou a semana passada o caso de Natalya garantindo que as autoridades procuram um soldado russo por ter violado uma mulher repetidamente, depois de ter invadido a casa onde vivia e ter morto o marido dela.
Não foi a única, no início do mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucranianos, Dmitry Kuleba, acusou os soldados russos de estarem a violar “mulheres em cidades ucranianas ocupadas” e garante que estes crimes não vão passar em branco.
Violado repetidamente com o marido morto no jardim e o filho
A 9 de março, um dia depois de Natalya e Andrey colocarem um lençol branco à porta de casa “para mostrar às tropas russas” – que tinham começado a atacar a aldeia enquanto tentavam chegar à capital Kyiv – “que ali morava apenas uma família de paz”.
Não resultou. Andrey foi assassinado a tiro e deixado no jardim da habitação e Natalya violada repetidamente durante várias horas.
“Estávamos a planear um filho e sonhávamos com a nossa primeira casa”, contou Natalya, de 33 anos, ao jornal inglês The Times, numa entrevista com o objetivo de mostrar ao Mundo que os casos de violação de mulheres por soldados russos são mesmo verdade já que há quem defenda a teoria que os casos são “demasiado chocantes para ser verdadeiros”.
“Queríamos viver mais perto da natureza, por isso não morávamos na cidade. O meu marido colocou a sua alma e coração na construção da casa e tudo foi feito de pedra e madeira natural. Até costumávamos ir à floresta buscar o lixo que as outras pessoas deixavam.”
Na manhã de 9 de março, duas semanas depois de se iniciar a invasão russa, Natalya e o marido ouviram um tiro fora de casa e o som do portão a ser arrombado. Saíram de casa com as mãos levantadas e depararam-se com um grupo de soldados e o cão de estimação morto no quintal.
“Disseram-nos que não sabiam que havia pessoas aqui, que não queriam prejudicar. Todos os contos de fada comuns: ‘pensávamos que íamos treinar, não sabíamos que seríamos enviados para a guerra.”
O comandante apresentou-se como Mikhail Romanov e disse a Natalya que se não existisse a guerra, os dois podiam viver um romance.
“Havia outro chamado Vitaly, que pediu desculpa por ter morto o cão. Disse que na sua cidade, ele e a mulher eram criadores de cães”, contou.
“Mikhail naquele momento parecia um pouco bêbado. Eu pedi para eles irem embora, porque o meu filho estava com medo e só tinha quatro anos. Eu disse-lhes: ‘podem ir embora, viram a casa e agora estão só a assustá-lo [ao filho]”, relatou.
Segundo Natalya, o comandante começou a ficar agressivo quando viu um casaco camuflado no carro de Andrey. Neste momento, começou a atirar contra o carro e ameaçou explodir o de Natalya com uma granada. Mesmo com a mulher a implorar para deixar o carro para emergências, Romanov decidiu bater com ele contra uma árvore caída.
Já de noite, o casal voltou a ouvir o portão e Andrey saiu para ver o que se passava.
“Ouvi um único tiro, o barulho dos portões a abrirem-se e depois o barulho de passos dentro da casa”, explicou. Viu Romanov e outro soldado, com cerca de 20 anos.
“Gritei, perguntei onde estava o meu marido, então olhei para a rua e vi-o no chão perto do portão. Esse soldado mais novo apontou uma arma à minha cabeça e disse: ‘matei o teu marido porque ele é nazi”.
“O soldado disse-me: ‘É melhor calares a boca ou eu vou buscar o teu filho e mostrar-lhe o cérebro da mãe espalhado pela casa'”, recordou.
“Disse-me para tirar a roupa. Então os dois violaram-me um após o outro. Eles não se importaram que o meu filho estivesse a chorar na sala da caldeira. Disseram para ir calá-lo e voltar. Durante o tempo, tinha uma arma apontada à cabeça e eles diziam: ‘devemos matá-la ou mantê-la viva?'”.
Os soldados abandonaram o local, mas voltaram cerca de vinte minutos depois e violaram-na novamente.
“Quando voltaram pela terceira vez, estavam tão bêbados que mal conseguiam ficar de pé. Os dois adormeceram nas cadeiras. Entrei na sala da caldeira e disse ao meu filho que tínhamos que fugir muito rápido ou levaríamos um tiro”.
A mãe e o filho passaram pelo corpo de Andrey e a criança perguntou: “Vamos ser baleados da mesma maneira que este homem?”.
Natalya e o filho fazem parte dos mais de seis milhões de ucranianos que estão deslocados dentro do próprio país e estão refugiados em Ternopil, a cerca de 500 quilómetros da vida que deixaram para trás.
Quando vai ao parque, o menino de 4 anos conta que tiveram de fugir de casa por causa da guerra, mas que o pai teve de ficar.
Não sabe ainda que o corpo estendido no jardim de casa quando fugiu a meio da noite agarrado à mãe era o do próprio pai.
Na quarta-feira, após o apelo de dezenas de países, o Tribunal Penal Internacional anunciou que abriu uma investigação aos alegados crimes de guerra russos.