O Quintal de cima
Não são precisos brinquedos importados e caríssimos para fazer uma criança feliz.
Basta atenção, amor e carinho para que coisas boas fiquem gravadas no coração de uma criança.
Quando era pequenita e vivia na Covilhã, adorava ir com a Guigui para o quintal de cima, lavar a roupa.
Para uma pirralhita como eu, era um quintal enorme… Cheio de magia e descobertas..
Tinha uma grande cerejeira, um muro cheio de morangos, uma horta, um quadrado de relva semeado de flores de trevo, 2 grandes tanques e… um muro virado para o Cálvário e para o mundo…
Mas hoje a memória é da roupa lavada.
Gostava da música que as mãos faziam com o sabão azul e o lençol a esfregar, das batidas na pedra roçada e no fim, quando a Guigui o passava para o tanque grande, para o “despedir” (sim, os lençóis naquele tempo… despediam-se) e ele se espraiava na água, fazendo pequenas bolsas de tecido e ar…
E eu com o dedo espetado, empurrava a bolha para a água e logo outra aparecia…
– olha Guigui as bolhas estão a nascer!!!
– porque é muito grande e tem muito ar por baixo, explicava a Guigui.
E pegava numa ponta e ia torcendo e voltando a torcer…
Torcia com os dedos, com as mãos, com os braços, num movimento que parecia magia e fazia aparecer chuva de lençol lavado.
E eu ria a meter as mãos pequeninas debaixo daquela chuva e molhava o vestido, e o avental da Guigui e ela gritava:
-sai daqui mafarrica … Ai a minha vida!
Depois ia para para o arame! E eu deitava-me na relva cheia de trevos a comer cerejas e a ouvir!
Ao principio o lençol pouco barulho fazia.
Deixava pingar as suas gotas perfumadas de lavado e esticava-se todo para que o sol e o vento o viessem ajudar!
Quando as pontas se começavam a soltar, então é que começava o grande concerto!!!
Os lençóis dançavam uns com os outros e o vento fazia com eles uma música que pareciam castanholas!!!
Então eu corria pelo meio deles e abraçava-os e deixava-me envolver por uma profusão de sensações que ainda hoje recordo com muito carinho…
A Guigui corria atrás de mim a ralhar:
– tira as mãos dos lençóis que os sujas todos!!! Tu pensas que eu tenho a tua vida!!!
Anda cá, que se te apanho…
E eu corria pelo meio dos arames, dando beijos de cereja aos lençóis e abraços verdes de relva.
Acabava invariavelmente sentada com a Guigui na almofada de trevos, com ela a dar-me um sermão que resvalava docemente para as recordações dela em Vale de Espinho com os numerosos irmãos e vida dura que ela teve.
Querida Guigui…que bons e lindos tempos tu me ajudaste a passar. Tantas coisas me ensinaste com a lavagem dos lençóis.
Coisas tão importantes que aquela menina que contigo brincava ainda as recorda com pormenor passados mais de 60 anos.
– Continuas a lavar lençóis lá no céu e a contar histórias aos anjinhos? Que sorte eles têm.
Um beijinho daqui até aí. Espera por mim.
Adoro-te