O fotógrafo do meu tempo, já não existe.
No século XX, mesmo na mais remota sociedade, o fotógrafo era uma figura típica; dele se guarda ainda por cá, mas apenas por graça, a frase que usava para prender a atenção do cliente no momento do disparo: “Olha o passarinho”…

É pouco, muito pouco, é bem pouco, repito, para quem deu memória e história ao mundo, durante quase dois séculos. De máquina a tiracolo e os rolos de filme no bolso do casaco, ou de cabeça tapada numa câmara “à la minute” onde revelava os positivos para os vender ao freguês, o fotógrafo carregou também a notícia, na pesada máquina com flash de lâmpadas, cujo clarão era uma presença ubíqua em tudo que era Mundo.
A fotografia química não era só carregar no botão; era também o revelar o negativo, expô-lo para obter uma cópia positiva, revelá-la e fixá-la, secá-la ou ampliá-la, e finalmente observá-la e divulgá-la.
Andava eu pelo meu segundo ano do liceu, no início dos anos 40, quando recebi como presente de aniversário, uma máquina fotográfica, das mais simples, aquilo a que se chamava um “caixote”, pelo seu formato quadrangular, recente invenção do célebre George Eastman.
Foi amor à primeira vista, amor que durou toda uma vida. Não contente em carregar no tal botão, passei a revelar as minhas próprias fotografias, em câmara escura improvisada, teria os meus 13 anos. Esse amor passou por muitas máquinas icónicas, e ainda perdura, na recordação da nova arte que então nascera, que fez célebres e ilustres executantes, e encheu a História da humanidade de imagens que lhe vão dar vida para sempre.
Mas o artista era somente aquele que sabia enquadrar exatamente e só, a cena que resumia a mensagem, e a captava apenas no preciso segundo em que acontecia história. Quando assim feita, a fotografia era realmente uma arte.
Essa fotografia química deu lugar à fotografia digital dos nossos dias, e tudo mudou. Pertença então do fotógrafo, profissional ou amador, passou a ser de todos, e todos são agora fotógrafos; e atenção, odos bons fotógrafos.
E repentinamente, talvez por essa razão, diminuiu o nível de exigência da qualidade da imagem: boa ou má… é uma bela imagem; e nada mais há a dizer; e até as há boas também.
O fotógrafo propriamente dito, trabalha hoje, quando tem trabalho, mais com o computador do que com a máquina: já não usa reveladores nem fixadores, mas aplicações, e a fotografia passou de estática a dinâmica, e de genuína a retocada; adeus rugas e lágrimas!
Mas é assim que o Mundo salta…
Bem a propósito, termino contando-vos o que ouvi dizer a um fotógrafo “à la minute”, que todos os dias retratava as pessoas que subiam ao Alto de Santa Luzia, em Viana do Castelo, para visitar o belo Santuário do Sagrado Coração de Jesus; disso fazia a sua vida.
Naquela manhã de 1965, uma das moças fotografadas, veio devolver ao referido ito fotógrafo a foto que ele lhe acabara de tirar, reclamando, com cara de poucos amigos, que estava feia na fotografia, ao que o fotógrafo, com graça, e de imediato, respondeu: “Mas se a menina é feia, como quer que eu a possa pôr bonita..!
Ipsis…verbis!
E o meu pensamento hoje é este:
“A beleza vai para além daquilo que se vê ao espelho e na fotografia… “