Há dois meses que nos deixou.
E deixei eu correr o tempo, e é no silêncio que sempre se segue, que o volto a lembrar agora, na vã tentativa de que o não esqueçam: falo de Eugénio de Almeida Lisboa.
Engenheiro de profisão, homem de letras por natureza, foi um ilustre ensaísta e um temido adversário quando o tema a discutir era a Literatura ou os seus autores.
Tinha 93 anos, e nascera na então Lourenço Marques, hoje Maputo, no seio duma família de trabalho, que vivia numa das pontas da cidade, no bairro do Alto-Mahé, onde gente simples tinha morada. Na família eram três irmãos, todos diferentes, e Ele era o do meio.
Frequentámos as mesmas escolas, e éramos vizinhos muito próximos. Desde jovem a sua paixão pelos livros se mostrou acesa; invulgarmente inteligente, com uma memória de elefante, o Eugénio tinha sempre, reservado para si, o lugar de Melhor aluno, desde a primária classe na escola do bairro, até à licenciatura no Instituto Superior Técnico, já em Lisboa.
Lia tudo o que aparecia, da literatura Mundial ou Nacional, mas era particular apreciador da então pujante produção Francesa, sem deixar, de seguir qualquer outra. O pai Mário, notável figura de lutador, incansável e inteligente, lá ia, como podia, comprando os livros que o Eugénio sonhava ler, ou melhor, devorar; Mário Lisboa, de simples empregado, e por mérito próprio, e plena justiça, concurso após concurso, chegou ao mais elevado cargo dos Correios Estatais e da sua Caixa Económica , respeitado, admirado e estimado. Era de boa cepa, sem dúvida, o Eugénio. E soube honrá-la bem.
Anida no Liceu, e em períodos de férias, percorríamos a pé, mais duma dezena de quilómetros, ida e volta conversando, para na praia da Polana tomarmos o nosso banho de mar; a literatura e o cinema eram os temas da conversa, e não me lembro que a distância nos cansasse.
Na sua vida profissional ocupou o mais alto cargo duma das maiores Companhias do Mundo, de origem francesa.
Tendo cumprido o seu serviço militar em Portalegre, como Oficial Miliciano, Eugénio Lisboa aí conheceu pessoalmente José Régio, de que se tornou particular amigo, já que admirador há muito o era, considerando até Régio tão grande quanto os maiores.
Voltou mais tarde a servir o País na embaixada de Londres, com o mesmo incansável empenho, inegável brilho e tremendo saber.
A ele se deve maiormente, a publicação póstuma do único livro que junta alguns magníficos poemas do extraordinário poeta que foi Reinaldo Ferreira Filho, com o título “Um voo cego para o nada”. Reinaldo foi, na mesma cidade do Índico, contemporâneo de ambos, e parceiro do ensaísta no uso duma língua particularmente bela.
Por interferência de Eugénio Lisboa , tive a rara oportunidade de entrevistar Jorge de Sena, também seu amigo, e na altura professor na Universidade de Santa Bárbara na Califórnia. Durante uma hora conversámos.
Aos 80 anos Eugénio Lisboa escreveu, com coragem e sem reservas, como seria esperado da sua forma de ser, uma autobiografia em vários tomos, que naturalmente li, e me trouxe saudosas e recordações.
Eugénio era um homem de opinião, de sólido saber, firme e corajosa posição, o adversário temido em qualquer tertúlia literária.
Deixei passar o tempo, repito, por saber que nós não somos nada, mesmo que sejamos muito, já que o mesmo tempo tudo apaga, e sem qualquer piedade por vezes…
É dever de amigo e de admirador, e de português, lembrar Eugénio Lisboa, e a sua obra.
O meu pensamento sobre o assunto:
“Não somos pelo que fomos,
mas pelo que somos lembrados!!”