Ser velho não é assim tão mau, desde que se possa pensar, e gostar ainda de escrever.
Por razão da idade sou de facto velho, que não do espírito, nem da benesse da genética, que teima em querer-me vivo. Nasci nos anos 30, dum século famoso, à beirinha das águas verdes do oceano Indiano, como as mais antigas cartas marítimas lhe chamavam. Passei pela segunda grande guerra, voei pela primeira vez, sentado à frente do piloto, comunicando com ele por um tubo acústico, com gosto conduzi o primeiro modelo do “dois cavalos”, e depois deliciei-me com as proezas do prodigioso “carocha” que até dava 120, prego a fundo; vi nascer a minissaia e, para maior regalo dos olhos, aparecer o biquíni, que pôs à mostra aquilo que apenas se podia adivinhar. Dançava-se então o tango, com ganas de matador, era quase um escândalo, até aparecer de repente, o rock and roll para abanar o capacete, que por lá até se usava já que o sol era bem forte; vi crescer a fama dos Beatles em canções inesquecíveis, e teria 21 quando para arrefecer o ardor, com três passos se aprendia a dançar o chachachá; bons tempos esses; o professor era pessoa respeitada, e dava as suas notas à conta, sem pensar em estatísticas; por espantoso que pareça, todos conhecíamos Camões, o Eça e o Camilo, o Pessoa e os seus “irmãos”, e fazíamos da leitura o nosso prazer maior. Não havia nesse tempo telemóvel, ainda estávamos a fazê-lo claro, mas todos apareciam, invariavelmente, à hora previamente marcada. Pelo que vêem sou realmente velho, mas posso por isso, pensar com a largura do tempo, e a distância do mundo, pelo qual andei laborando e aprendendo. É esse o sal com que tempero o que penso, sobre a vida e o ser humano, os seus sentimentos e atitudes. Para haver tempo para meditar, semanalmente aqui trarei um desses pensamentos.
Sublinho que um pensamento é apenas isso, um olhar pessoal, e, por maturado que seja, será sempre discutível, como tudo o é na vida.
Sem escolha prévia, o assunto hoje é a vingança.
Venha ao “Canto” que é do velho, para ler o próximo.