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Quica Melo
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“Na semana dos Ramos lava os teus panos, que na da Paixão lavarás ou não”

Era uma azáfama.
Tudo bem organizado numa desordem geral.
Saíam os cortinados, as cortinas, as colchas, os panos bordados ou crochetados.
Faziam-se grandes barrelas em grandes bacias.
Pegava-se no sabão azul e com uma faca própria para isso, raspava-se o sabão para as grandes bacias que se enchiam de água morna ou bem quente, conforme a que se destinasse e depois com o braço, misturava-se na água até fazer muita espuma, onde depois era enfiada a roupa durante horas para demolhar. Daí saia depois de esfregada e passada por várias águas limpas, no caso de lá de casa, no tanque do quintal, para secar umas atrás de outras nos arames do quintal e do saguão.
Os cortinados e reposteiros eram tirados, sacudidos, escovados e punham-se ao ar.
Os tapetes eram tirados, dependurados em muros, janelas, arames e bem batidos com o batedor de canas até o pó sair todo. Se fosse preciso também se arrancavam nódoas a poder de benzina que deixava no ar um cheiro que fazia comichão no nariz.
O chão lá em casa era todo esfregado com  palha de aço grossa, sempre esfregada para o mesmo lado ao longo das tábuas para não riscar, depois com palha de aço fininha para um acabamento mais perfeito e retirar toda a cera velha.
No fim, vinha a joelheira, o balde com água e o sabão amarelo para lavar o chão e deixar tudo impecavelmente perfeito.
Assim se fazia em todas as divisões que iam ficando com cadeiras de pernas para o ar, sofás uns em cima dos outros, as camas que não tinham ninguém levavam com o resto da mobília do quarto em cima, as santinhas, as caixinhas, as florinhas, tudo se sumia debaixo de um grande pano, para se poder pôr cera nos móveis.
Na cozinha era o mesmo.
Apesar de estar sempre imaculadamente limpa, tudo saía do sítio, tudo se limpava. As saias da mesa eram mudadas, os patos a fugir das sertãs, bordados nos folhos das prateleiras fugiam para dar lugar a passarinhos chilreantes em postes de luz, as latas do Chá, Café, Farinha, Arroz, Massa, Açucar, (era esta a ordenação certa por alturas das mesmas, da esquerda para a direita) saíam do alto do armário e eram esfregadas de qualquer impureza que pudessem ter.
Por fim vinham os dias da cera. Primeiro aspirava-se tudo para não ficar nenhuma poeira.
Depois com a ajuda de um pano que não largasse pêlo, espalhava-se a cera no chão inundando a casa com um cheirinho inolvidável!
Acordávamos e adormecíamos com aquele cheirinho bom…
A enceradora trabalhava o dia inteiro.
Divisão a divisão, primeiro com as escovas da cera e depois com as escovas do lustro deixavam tudo limpo e brilhante.
Ainda me lembro quando a enceradora “fugia”e se punha a bailar sozinha com os braços para cima e para baixo, num rodopiar louco como se fosse uma bailarina desconjuntada enquanto a Guigui a perseguia, eu ria às gargalhadas e o Bobi deitava a casa abaixo com o seu ladrar enraivecido de inimigo figadal da enceradora.
Por fim, tudo voltava ao lugar, bem batido, sacudido, espanado, aspirado, encerado, esfregado, lavado e passado com o ferro que naquela semana também não parava sempre a deitar vapor e a bufar como os combóios na estação.
Estava tudo pronto para a Páscoa!!!
Na semana a seguir havia muito que fazer… pão de ló, pudins, biscoitos… mas isso era na outra semana!
Por agora terminava-se que no dia a seguir era Domingo de Ramos.
A Páscoa estava a chegar!
Acho que era mais ou menos assim em todas as casas da Covilhã no final dos anos 50.
Era uma semana de grande azáfama!

Créditos Imagem:

Travis Grossen – Unsplash

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