Por vezes, a vida e a morte duma árvore, não depende de mão humana. Foi o caso de uma figueira brava com vários séculos de existência arrancada à terra por um ciclone tropical.
A Ilha de Moçambique é Património da Humanidade e, para quem nela viveu, um inesquecível paraíso, pela paz e sã camaradagem de gente de todas as origens e religiões, que sempre lá habitou. Na Ilha há história em cada pedra, em cada espaço, e em cada árvore.
Foi dessa ilha que partiu para o último percurso, a frota de Vasco da Gama, que procurava estabelecer um caminho por mar, entre a Europa e a lendária Índia; nela esteve também, tempos depois, Luís de Camões, que lá escreveu, assim o dizem, um dos seus mais belos poemas líricos, dedicado a “Dinamene”, companheira que perdera, vítima de naufrágio, naquelas mesmas águas verdes e únicas.
Quando nós portugueses ali arribámos, já a Ilha era um entreposto comercial de mercadores árabes, coordenado pelo mais respeitado de todos, de seu nome Mussa Ben Mbiki. Desse nome, extraímos nós a designação Moçambique.
Tem a ilha a sua flora própria, trazida pelo vento e urdida pela natureza, e quiçá também, pela mão dos pescadores indianos, que demandavam aquelas paragens, em época própria e todos os anos, para fazerem a sua carga de peixe, seco ao sol.
Uma figueira brava com séculos
A caminho duma das pontas da Ilha, com vista para a terra firme, existia, entre outras árvores, uma figueira brava, com séculos de sobrevivência, que tinha uma copa frondosa, cuja sombra fresca e ampla, constituía o mais icónico ponto de encontro da população, que lá ia diariamente marcar o ponto, para contar e saber novidades; os mais velhos recordavam coisas passadas, e os mais novos brincavam, ou namoriscavam, sob o olhar atento dos primeiros; até atos públicos, à falta de melhor sítio, ali aconteceram. Paciente, a tudo assistia a velha Figueira da Índia, dando sombra e fresco como lhe competia, já que o sol era impiedoso por aquelas paragens.
Sucede que a ilha está situada no Canal de Moçambique, entre o Continente Africano e Madagáscar, faixa marítima que todos os anos nesta época, está sujeita à formação de tempestades tropicais, com ventos ciclónicos, que tudo arrasam na sua passagem; ao longo dos séculos, a eles resistiu heroicamente a velha figueira brava, de poderosas raízes; resistiu firmemente até ao último ciclone, que aconteceu há semanas atrás; já cansada, de dever cumprido, amada por quantos do carinho do seu acolhimento beneficiaram, geração atrás de geração, a velha Figueira da Ilha, caiu, arrancada pelo vento, deixando apenas e para sempre, a sua história, quase lenda. Antes e agora ela aí está, nestas imagens.
Estou certo que a notícia provocará tristeza a muitos, e a não poucos uma teimosa e discreta lágrima, justíssimo tributo ao uso da sua sombra, e lembrança eterna de sonhos que se não repetem.
Por muito que se viva, por muito que se sirva, tudo tem o seu fim, e nada contra isso nós podemos fazer.
Texto: F.F.