Já não sei escrever à mão. É uma tristeza.
As palavras emperram e as letras encavalitam-se umas nas outras. Os dedos travam-se e já não se articulam para as desenhar.

Definitivamente, perdi-lhe o jeito de tanto dedilhar no teclado, esse malvado a quem deito todas as culpas deste desatino.
E no papel em vez da outrora letra que toda a gente gabava, tens uma letra tão bonita, diziam, surge agora um emaranhado de gatafunhos que nem eu percebo se releio o que escrevi.

Mesmo nos tempos de faculdade em que os apontamentos das aulas eram tirados a alta velocidade conseguia manter a qualidade da letra, agora perdida para todo o sempre até por via das artroses que não devem tardar, pois já se fizeram dolorosamente anunciar.

Em boa verdade fico muito infeliz ao verificar que a minha letra não resistiu e tombou, foi vencida sem glória na luta contra o digital ao ser sistematicamente escrita num vulgar e assético documento que não tem cheiro nem sabor, como é o Word, mais uma palavra inglesa para o léxico desta global tristeza.
Se insisto, por breves momentos que sejam, em tomar a caneta entre os dedos para um qualquer apontamento a desilusão é quase total. Há um torpor nos ligamentos da mão que se esqueceram dos encadeamentos das letras, perdidos no labirinto da memória se o h vem antes ou depois n ou do l, em que o m e o n não se distinguem e em que os às parecem és.

Na assinatura do meu nome a constatação do desastre é completa. Faço um esforço enorme para que saia como dantes, mas coitado de mim, irreconhecível se a observo à luz do que costumava ser.
O g está torto, m não sai e fica encavalitado no s que mais parece um l. Gatafunhada distante do que consta no cartão do cidadão.

Dou por mim muitas vezes a pensar que um destes dias num documento oficial haja quem não me reconheça a assinatura e sugira que sou um usurpador da minha própria pessoa.
Pensamento, nada simpático que afasto mal ele tenta aproximar-se.
A nossa letra, a letra de cada um de nós, é como a impressão digital ou a iris do olho, única e irrepetível, embora possa ser imitida, mas as imitações são sempre fancaria, e o original é que é bom como é consabido.

Se perdermos o rasto ao desenho da nossa letra perdemos um pouco da nossa personalidade, da nossa maneira de ser, da nossa identidade até, por fim.
É preciso voltar ao papel. É preciso voltar a desenhar com alegria as letras todas do abecedário num caderno ou num bloco, formando belas e perfeitas palavras de prosa ou poesia para que não se perca nem a harmonia e muito menos a sublime estética do traço que nos distingue.