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Quica Melo
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Preparativos para o Natal

Nesta altura do ano a nossa casa da rua S. João de Deus, aos pouquinhos ia-se vestindo de Natal

Mandava a tradição que o presépio se fizesse no dia 8 de Dezembro, mas eram precisos alguns preparativos para que tal acontecesse com tudo aquilo a que a  data tinha  direito.

Tudo começava no domingo anterior se não estivesse a chover e pela primeira vez eu ia participar em tudo, tudinho. 

Já tinha 4 anos, já era muito crescida. 

Depois de almoço  o avô  apareceu de sobretudo vestido a chamar-me.

– vamos lá Quica,  vai vestir o casaco e pôr um garruço na cabeça, dizia o avô que mobilizava meio mundo quando tinha uma tarefa para fazer. Da porta ainda berrou para a minha madrinha:

– Mª Luisa, são horas! Avia-te! 

Quando eu cheguei ao pé dele, já ele transportava para o carro caixotes, um serrote, tesouras e outras coisas que uma menina pequena nem sabia o nome.

O avô arranjava sempre um ou dois rapazes de lá da rua ou então dois dos meus irmãos mais velhos, para irem connosco.

E lá nos enfiávamos todos no carro, eu ao colo da madrinha Jija com a excitação a dar corda aos bichinhos carpinteiros.

No banco de trás reinava o silêncio ou então conversavam em surdina entre eles. Na frente não havia quem me calasse:

– Avô, onde vamos?

E como estivéssemos na estrada da floresta, eu pensava que íamos à Casa das Coceguinhas!

-Avô, vamos à serra?

– Na serra estamos nós patetinha, respondeu o avô divertido.

Eu olhava para um lado e para o outro e não percebia porque é que o avô dizia que estávamos na serra!!! Não via as casas da serra, não via o hotel da serra, não via a capela da serra…não, ali de certeza que não era a serra e ainda mais… não tínhamos passado a fonte, nem o sanatório do Dr Coelho, portanto não estávamos nada na serra!!! 

– Ó avô não estamos nada na serra, estás-me a enganar!

Estava eu a dizer isto quando o avô virou o carro para o lado esquerdo e começámos a andar numa estrada de terra. 

Eu ria-me porque o carro parecia uma bola daquelas das feiras que tinham um elástico e andava para cima e para baixo e que eu uma vez tinha aberto para ver o que tinha  dentro da prata…

 Dentro do carro todos satitávamos! Éramos um carro bola de serrim. 

De um lado e do outro, havia muitas árvores verdinhas, outras estavam encarrapatas e ainda outras tinham folhas castanhas que iam voando com o vento e caíam em cima do carro. 

– Avô, onde vamos? Aqui há lobos? 

O avô ria-se muito com as minhas perguntas. Às vezes não tinha paciência para me responder, mas naquele dia, como era a primeira vez que eu ia com ele, lá me respondeu. 

– Estamos no Pião! Estamos a chegar. 

Lá em casa tínhamos um pião grande de lata verde com bonecos pintados. Eu não conseguia pô-lo a andar à roda, mas o Ti Zé quando ia lá a casa punha-o a girar e  era engraçado porque os bonecos andavam à volta e  tinha uma música muito bonita. 

Será que ali era um sítio onde havia um pião também engraçado? 

O avô fez uma curva e logo ali do lado direito apareceu uma casa pequenina no meio do pinhal. 

– Toca a sair, diz o avô. 

Vocês rapazes vão ao musgo. São precisas 3 caixas cheias. Musgo bem fofinho!!! Nada de torrões de terra! dizia o avô. 

Depois de mão dada com a madrinha lá fomos atrás do avô  que ia ter com um dos seus milhares de amigos. 

Logo apareceu um senhor que dando uma mãozada ao avô lá o levou por um caminhito no meio do pinhal connosco a segui-los para não os perdermos. 

Havia muitos pinheiros pequeninos, e outros já mais maiorzitos no meio de outros tão  altos que eu pequenina nem via onde acabavam. 

Então o amigo do avô, que tinha poucos dentes e falava de uma maneira engraçada, mostrou-me 2 pinheiros muito juntinhos e explicou-me que tínhamos de escolher um pinheiro que estivesse assim juntinho do outro. Assim podíamos cortar um e deixar o outro a crescer. 

Não foi preciso andar muito… 

– Ó meu pai, chamou a minha madrinha. Olhe aqui este tão ramalhudo e bonito!!! 

E ali estavam 2 pinheiros tão juntinhos que os seus ramos se misturavam. 

O avô pegou no serrote e começou a cortar o tronco de um dos pinheiros. 

Eu fiquei muito quieta e um bocadinho triste. Pensava que os pinheiros iam ficar tristes por não terem a companhia um do outro. 

A madrinha que me conhecia bem e viu que eu estava preocupada, disse-me que não estivesse triste porque os dois pinheiros estavam felizes. Um ia ficar bonito todo enfeitado para o Menino Jesus e o outro ia crescer e teria muitos filhinhos para lhe fazer companhia. 

E deu-me a mão levando-me pelo caminhito fora. 

Depressa encontrámos o que a madrinha queria… uma árvore com picos e bolinhas vermelhas. 

– olha Jija, um cogumelo! 

No chão ao pé da árvore dos picos havia um grande tapete de musgo com muitos cogumelos pequeninos!!! 

– olha, encontraste uma aldeia de cogumelos, vamos apanhar este musgo com jeitinho para não se estragarem os cogumelos. Disse a madrinha. 

Lá fomos a caminho do carro, onde pousamos o nosso tesouro  por cima   das caixas que já estavam cheias de musgo. O avô com a ajuda do amigo prendeu o pinheiro com una corda enquanto os rapazes foram a correr buscar as folhas verdes com bolas vermelhas para a madrinha por nas jarras. 

Estávamos prontos para regressar a casa. 

Tinha sido uma tarde muito divertida e especial. 

Nessa noite jantámos com cheirinho a pinheiro e a musgo e antes de me deitar fiz uma festinha ao pinheirinho para ele não ficar triste de noite sózinho. 

No dia a seguir haveria mais aventuras. 

Esta primeira vez que fui ao musgo e ao pinheiro com o avô e a madrinha, marcou-me para sempre. 

Muitos anos depois, já aqui no Porto, quando íamos apanhar o musgo para o presépio, num lugar que se chama S. Pedro da Cova e tem um sítio que se chama Covilhã (é verdade mesmo) a memória daquelas tardes com o avô e madrinha estavam sempre presentes e não descansava enquanto não encontrasse um bocado de musgo com cogumelos… só eu sabia porquê… aquele segredo e aquela memória era só minha. Estava guardada no meu coração. 

Só fui ao pinheiro e ao musgo com o avô e a madrinha até vir para o colégio com 8 anos. Depois quando ia de férias, o presépio já estava feito.  Quando o avô morreu, passaram a ser os meus irmãos a levar o musgo e o pinheiro para o presépio lá de casa. 

 


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