Uma grande maioria de idosos que vão ao Espaço Júlia – RIAV (Resposta Integrada de Apoio à Vítima), em Lisboa, são vítimas de violência doméstica por parte dos filhos, disseram à Lusa os responsáveis pelo equipamento.
A responsável pelo Espaço Júlia, Inês Carrolo, afirmou à Lusa que “os idosos são as vítimas mais difíceis porque há uma grande culpa” e questionamento sobre terem errado na educação dos filhos, o que faz com que tenham “muita dificuldade em denunciar” a violência de que são alvo.
O chefe João Dias, da 1.ª Divisão da PSP, revelou que, se os filhos forem também os seus cuidadores, surgem novas questões para os idosos como: “Se eu sair daqui para onde é que eu vou? Quem vai tomar conta de mim?”.
No Espaço Júlia, o número de denúncias de violência doméstica a idosos diminuiu quase 7% em 2020 face a 2019, de acordo com dados fornecidos pela instituição.
A PSP verificou que este tipo de denúncias aumentou com a crise, mais particularmente a partir de 2012 devido à intervenção da ‘Troika’ no país.
“Muitas famílias perderam a casa e os idosos acolheram os seus filhos e netos. Muitas vezes, com três gerações juntas, a única fonte de rendimento é a pensão do idoso. Em casas pequenas, o clima foi-se agravando”, explicou João Dias.
Já foram muitos os casos a passarem por este ponto de atendimento especializado e incontáveis marcas de agressão, desde marcas de pontapés em que “a bota ficou marcada na perna” até a arranhões no braço.
João Dias disse que é importante perceber que, no caso de pessoas com mais de 65 anos, “um simples empurrão pode provocar a queda e a fratura de um osso, e em pouco tempo a sua morte”.
Entre os muitos casos que lhe passaram pelas mãos, Inês Carrolo lembrou o de uma mulher que lhe pediu para não baterem no filho enquanto outras que dizem que os “perdoam por ajudarmos a prendê-los”, sublinhando que são testemunhos que “marcam muito” a equipa.
“Muitas vezes essas pessoas [idosas] chegam aqui e aquilo que querem é que a polícia ralhe com eles [agressores]” – sejam os filhos ou companheiros — “e falam quase em confidência”, contou João Dias, sublinhando a importância de falar sobre o que lhes está a acontecer e tentar desconstruir a situação.
Ao contrário do que acontece com vítimas mais novas, a maior parte dos idosos, depois de realizada a denúncia, querem voltar para casa, onde estiveram a vida toda.
São, por isso, casos excecionais os das vítimas que vão para lares, até porque os técnicos e a PSP procuram respostas na comunidade.
“Não fazemos nada que a vítima não queira, é o primeiro princípio: o da autonomia da vontade”, sintetizou a responsável pelo equipamento.
Inaugurado no dia 24 de julho de 2015, o Espaço Júlia integra técnicos de apoio à vítima da Freguesia de Santo António e agentes da PSP, em parceria com o Centro Hospitalar de Lisboa Central.
O próprio nome do equipamento é uma homenagem a Júlia, idosa que vivia nesta mesma rua e que no dia 25 de setembro de 2011, aos 77 anos, num ato de violência doméstica, foi assassinada pelo marido, com quem estava casada há mais de 30 anos.