Longe do reboliço do mundo, a mais remota das ilhas habitadas tem nome português
A 28 de Outubro de 2020 surgia nas notícias a ilha Gough, com o naufrágio do Geo Searcher.
Ao abalroar em escolhos ali próximos o navio, entregue à apanha da lagosta (com cerca de 70 tripulantes, entre os quais alguns técnicos portugueses), afundou-se em duas horas.
A ilha Gough pertence ao arquipélago de Tristan da Cunha, anexado com nome inglesado à coroa britânica e à sua então colónia do Cabo em 1816.
Ironicamente, foi o S.A. Agullas II que levou os tripulantes do malogrado Geo Searcher a salvo à Cidade do Cabo.
Trata-se do navio sul-africano de investigação científica cujo nome deriva do ainda hoje apelidado Cape Agullas, ou Cabo das Agulhas; denominação atribuída a 16 de Maio de 1488 por Bartolomeu Dias à ponta rochosa continental africana de latitude mais a sul, na costa sul-africana.
Muitos dos escolhos que o rodeiam rasgaram literalmente o casco de todo o tipo de embarcações (como o da Nau ‘Nossa Senhora dos Milagres’, com 30 peças de artilharia, que em 1686 zarpara de Goa rumo ao Reino Português), causando a perda de muitas e muitas centenas de vidas humanas e de animais domésticos, no decorrer dos séculos.
Na orla setentrional da principal ilha daquele arquipélago atlântico, a de Tristan da Cunha, encontra-se a vila – Edinburgo dos Sete Mares (Edinburgh of the Seven Seas) – hoje com cerca de 280 habitantes, descendentes de britânicos, holandeses, sul-africanos e portugueses.
Tudo começou a 14 de Agosto de 1816 com o estabelecimento do Fort Malcolm com guarnição britânica de uma vintena de soldadesca.
O agregado habitacional passou a piscatório, crescendo também com marujos naufragados nas circanias.
A Ilha de Tristan da Cunha, em pleno Atlântico Sul, tornava-se na ilha habitada mais remota do globo.
Em 1509, aos 47 anos de idade, falecia o almirante Tristão da Cunha, Cavaleiro do Conselho d’El Rei D. Manuel, nomeado Vice-Rei e Governador da Índia em 1504.
Por razões de saúde não ocupou esse cargo, desempenhado depois por Francisco de Almeida.
Em 1506, ao comando de uma esquadra de naus e frota de carga, viagem em que seguia Afonso de Albuquerque, o segundo Governador da Índia, seu parente, Tristão da Cunha deu o seu nome à principal ilha desse pequeno arquipélago em remotas latitudes do Atlântico Sul, sem todavia ter conseguido desembarcar devido a violentas intempéries ali encontradas.
A ilha de Tristan da Cunha, a meio caminho entre a costa meridional africana e a sul-americana, encontra-se a cerca de 2.800 quilómetros a oeste da Cidade do Cabo e de 2.400 quilómetros a sudoeste da Ilha de Santa Helena, esta mais conhecida por ter servido de desterro e última morada a Napoleão Bonaparte.
As águas deTristan da Cunha recheiam-se de múltipla variedade de vida marinha: focas (há uma Baía das Focas na vertente ocidental da ilha) e baleias, entre muitas outras espécies e variegada multiplicidade de aves marinhas.
Para não esquecer a lagosta ali apanhada sob licença em armadilhas de frotas piscatórias desfraldando pavilhões de além-mar.
Sem aeroporto, com centralizado pico vulcânico na ilha, as excursões turísticas, o envio de suprimentos e de correio servem-se de navios que regularmente levantam âncora do porto do Cabo da Boa Esperança, como o S.A. Cape Agullas II, o MV Lance e o MFV Edinburgh.
A real atracção de Tristan da Cunha reside nas suas luxuriantes Reservas de Vida Selvagem.
A 10 de Outubro de 1961, a origem vulcânica desta ilha fez surgir estrondosa erupção que perdurou quatro meses.
A lava acabou por circundar Edinburgo dos Sete Mares, obrigando à evacuação dos seus habitantes.
Gente que foi levada para terras desconhecidas por muitos, as Ilhas Britânicas; onde a ruidosa azáfama do dia a dia levou, ao regressarem a casa, bastantes dos residentes daquela vila a afirmar a pés juntos terem sentido imensas saudades do tão pacato quotidiano – na sua ilha de Tristan da Cunha.