Almeida Garret cantou na 1.a quadra do seu afamado poema:
“Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora senhores,
Uma história de pasmar”.
Com a devida vénia, passamos a outra ‘história de pasmar’: a de ‘Jack, o Babuíno’.
Há seis (6) espécies de babuínos. Na África Oriental e Austral tem por ‘habitat’ o ‘Chacma Baboon’ (‘Papio Ursinus’), ou Babuíno do Cabo, cujo macho pesa cerca de 10 kgs. Primata agressivo, pouco tolerante, de pelo acizentado, com ‘um tempo de vida’ de 30-40 anos. Jack era um desses babuínos.
Nas útimas décadas do século XIX em Uitenhage, na província sul-africana do Cabo, James Edwin Wide ficara conhecido por ‘O Saltador’, devido ao hábito de saltar de carruagem em carruagem, ou de vagão para vagão num comboio em movimento. Diria o velho ditado: ‘Tantas vezes vai a cantarinha à fonte que um dia deixa lá a asa!’
Fatídico foi assim o dia quando James se desequilibrou e caíu sob os rodados de uma composição ferroviária, perdendo as pernas. Ainda que engendrando umas de pau, a sua locomoção passou a ser morosa, senão dolorosa.
Eis então quando entra em cena: Jack, o Babuíno. Numa visita a uma feira local James, para seu espanto e o de outros visitantes, logrou ver destro babuíno conduzindo uma carroça puxada por junta de bois. James contactou com o agricultor, que assim levava a sua carroça à feira, rogando que lho vendesse. O agricultor bem lhe dizia ‘que esquecesse’ tal proposta, mas James não deixava de insistir. Por comiseração, por fim… acabou por lhe vender Jack. Daí em diante a história de James e de Jack passaria ao folclore de Uitenhage.
Uitenhage, hoje por via férrea situa-se a cerca de 706 kms a leste da Cidade do Cabo. Em meados do século XIX já era urbe de notável crescimento, ali sendo estabelecido um centro administrativo e de manutenção dos Caminhos de Ferro do Governo do Cabo, onde James Edwin Wide trabalhava como sinaleiro de locomotivas.
Jack em breve ajudava James nas lides caseiras, varrendo o chão e levando para fora o caixote do lixo. James ensinou-o a empurrar, ladeira abaixo e acima dos 800 metros que separavam a sua casa da Estação de Caminhos de Ferro de Uitenhage, um ‘trolley’ onde James seguia sentado; entretenimento diário para gáudio dos circunstantes.
Jack denotava ser curioso observador e exímio operador daquilo a que sem hesitar se entregasse a fazer.
As locomotivas ao aproximarem-se da Estação de Uitenhage abrandavam o passo, apitando de várias formas para dar a entender ao sinaleiro que agulha accionar para que a composição de passageiros ou de carga enveredasse pela via certa. Jack ajudava James nessa sua função e em breve passava a ser o operador das alavancas de agulhas da rede ferroviária de Uitenhage (fazendo-o sem qualquer falha durante nove [9] anos!). Enquanto Jack se concentrava nessa sua nova função, James cuidava de outras tarefas na sua cabine.
A façanha de Jack tornava-se lendária ao longo de localidades sobranceiras à via férrea coligando a Cidade do Cabo a Port Elizabeth (hoje Gqebehra) que passava por Uitenhage.
Um belo dia senhora dos seus pergaminhos, ao ver horrorizada através da janela da sua carraguagem, em Uitenhage, um babuíno accionar agulhas da via férrea apresentou queixa: um escândalo, inaceitável descuido que colocasse em perigo a vida de passageiros – o que levou a inevitável inquérito. Jack foi submetido a minucioso exame, que passou com a nota máxima!
Nas palavras lavradas no relatório do próprio Superintendente dos Caminhos de Ferro do Governo do Cabo: “Jack conhece tão bem os diferentes sinais dos apitos das locomotivas quanto eu”, adiantando ser comovente reparar-se na afeição que Jack tinha por James. A Jack foi dado um número oficial de emprego, remunerado por pequeno salário dos Caminhos de Ferro do Governo do Cabo, e o direito a uma garrafa de cerveja por semana.
Jack em 1890 sossobrou à contracção da tuberculose. Diziam que James ficara inconsolável ao perder o seu fiel assistente.
Esta é, leiam agora senhores, outra ‘história de pasmar’…