Não sei se por aí já cheira a café, mas é de café que vou falar.
Vou aqui recordar como se fazia, no meio do século passado, o desejado e saboreado café caseiro.
Era preciso ter à mão, tudo isto que aqui vos digo: um triturador de café, para transformar o grão em pó, uma chaleira para ferver a água necessária, um coador, a que se chamava “o saco do café”, feito em feltro, afunilado, tendo na boca uma pega que o permitia pendurar, e uma cafeteira para recolher, desta maneira filtrado, o bem cheiroso cafezinho.
A operação durava alguns minutos, mas valia a pena, pois o produto era tão delicioso quanto ansiosa era a espera de quem o queria; cada um tinha o seu truque para o tornar mais gostoso, desde uma colher de manteiga a uma brasa acesa.
A nível caseiro, máquinas de café nem sequer eram ainda um sonho, tal como acontecia com as de lavar, pelo que todos os utensílios, depois de usados, eram “ à unha Zé da Cunha”, isto é, à mão, que se lavavam, para ficarem disponíveis para a próxima cafezada.
Havia máquinas sim senhor, mas era nos Cafés públicos, onde faziam o café e o serviam, num instante, e à ordem do freguês, saído a ferver por uma bica para a chávena; é por isso, só por isso, “bica” passou a chamar-se na cidade de Lisboa.
Eram essas máquinas de fabrico Italiano, de duas ou três marcas preferidas, e porque uma delas tinha o nome “La Cimbali”, no Porto o tal cafezinho, em vez de bica, passou a ser pedido assim: “traga-me um Cimbálino!”
Coisas de outro tempo, que resistiram ao dito tempo, mesmo contra a ofensiva das modernas cápsulas e das máquinas caseiras, “Made in China”, que hoje todos temos. Mas a bica continua a ser a bica!
O saco de café, esse, é que desapareceu, com muitas saudades de quem o usou…
Custava uma bica nos anos 50 um escudo e 20 centavos; pagava-se um e cinquenta, porque a demasia era o salário do empregado de mesa, que servia cafés o dia inteiro, e não auferia ordenado.
Saibam contudo, que num bom estabelecimento, e só com as gorjetas, o tal solícito servidor, fazia um salário mensal de tal modo apetecível, que o seu lugar era disputado, e valia bom dinheiro a sua cedência, quando o quisesse deixar.
O Café, que na verdade nasceu na Etiópia, já há centenas de anos, é um bom e gostoso estimulante, mas, como não há bela sem senão, é também um bem entranhado vício…
E este é o meu pensamento da semana:
Da experiência ao vício, é um passo de criança. Do vício à libertação, um passo de gigante. Entre a criança e o gigante, se estraga muitas vezes a vida.