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Quica Melo
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Férias de natal  felizes

Memorias da menina dos olhos brilhantes

Durante os primeiros anos da minha vida, a minha madrinha Julia passava a maior parte do tempo no Porto a fazer o curso de enfermagem.

Quando ela ia de férias para a Covilhã eram dias felizes para mim porque ela levava-me a muitos sítios e tinha muitas amigas e amigos que gostavam muito de mim e quando ela  chegava do Porto levava-me sempre uma prendinha  especial.

Quando eu tinha 4 anos, durante o tempo de aulas, eu passava os dias entregue a três adultos. O avô Barata (avô da minha madrinha Julia)que tinha 72 anos , a Jija (como eu tratava a mãe da Madrinha Julia, que se chamava Mª Luísa) que tinha 51 anos e a Guigui, como todos nós tratávamos a Margarida, empregada da minha madrinha Luisa  que esteve mais de 60 anos na família e que tinha 55 anos.

A minha madrinha Julia (Juju) tinha 21 anos,  era a pessoa mais nova da minha família de coração.

– Jija, é hoje que chega a Juju? Perguntava eu sentada na cadeira alta.

– Sim Quica. É hoje. Deve chegar à hora do lanche. Anda lá, come tudo para ela ficar contente quando chegar.

Apesar de demorar horas a comer, e às vezes comer o almoço ao lanche, quando sabia que a Juju estava a chegar comia tudo num instante julgando eu que assim ela chegava mais depressa.

Fui fazer a sesta obrigatória, mas parecia que tinha pulgas na cama. Foram mais as vezes que saí da cama para em bicos de pés espreitar à porta do quarto, do que as vezes que fechei os olhos para tentar dormir.

E então ouvi aquele ronronar do motor do Volkswagen da Juju.

O Bobi começou a ladrar como um maluco, a correr para a porta e eu dei um salto na cama e segui o Bobi num grande alvoroço.

-Vai-te calçar Quica e veste um casaco que te constipas. Não podes vir para a porta assim, disse a madrinha Jija

E lá fui eu calçar as botas, trabalho que ainda levava  algum tempo a fazer porque os pés tropeçavam na língua das botas, as botas fugiam e as meias também. Era uma arrelia!

Quando saí do quarto, já a Juju estava a tirar o casaco e a Jija fechava a porta da despensa ao fundo do corredor.

Tinha começado o tempo das brincadeiras com a Juju.

Da mala dela saiu um livro de pintar e um guarda chuva de chocolate que me iria entreter durante algum tempo.

-Juju, anda ver o pesépio… dizia eu puxando pela mão da madrinha… anda!!!

– Não é pesépio, é presépio respondeu a Juju. Tens de falar mais devagar para dizeres as palavras como deve ser.

E a Juju pegou em mim ao colo para vermos as duas o presépio.

– tá mai lindo, não tá, Juju?

E já a madrinha se virava a olhar à volta da sala e dizia

– Temos de enfeitar a sala!

Eu não sabia o que era enfeitar a sala… era o primeiro ano em que eu era crescida no natal, mas devia ser uma coisa engraçada!

– vamos, Juju. Vamos enfeitar a sala!

– calma! Ainda agora cheguei! Amanhã! Amanhã começamos a enfeitar a sala.

Pois, lá vinha outra vez o “amanhã”! Começava a pensar que o natal também era o tempo do amanhã.

No dia a seguir fui no carro com a Juju à floresta e enchemos um cesto com pinhas grandes e pequenas, com musgo dos pinheiros e com raminhos  das árvores que estavam no caminho para o Pião.

Quando chegámos a casa eu já estava pronta para enfeitar a sala, mas a madrinha disse uma coisa extraordinária :

– Primeiro temos de Pintar as pinhas!!! Vai vestir o bibe, vamos almoçar, fazes o soninho e depois quando acordares pintamos as pinhas!

Eu nem queria acreditar!!! Pintar! Pintar as pinhas! Eu adorava pintar. Às vezes, quando eu me portava bem, a madrinha Jija abria o armário da despensa do corredor, onde estavam guardadas as aguarelas da Juju e deixáva-me fazer uma pintura com elas. A madrinha Jija ajudava-me sempre para eu não por os pincéis nas cores trocadas e estragar as aguarelas para  que a Juju depois não ficasse triste quando fosse pintar… e agora eu ia pintar com a Juju!

Foi mais uma sesta que nunca mais acabava! Assim que o relógio tocou quatro vezes, levantei-me logo, calcei os sapatos e fui a correr para a despensa para ver se a Juju já lá estava.

Para se abrir a dispensa, tinha que se virar a chave e puxar… eu já tinha aprendido.

Mas quando lá cheguei, a chave não estava lá!

Olhei para o chão a ver se a chave tinha caído, mas a chave também não estava no chão…

O avô estava na sala ao lado e olhava para mim com as sobrancelhas dele levantadas.

– Ó avô, a chave não está na porta, disse eu ainda admirada,  porque nunca tinha visto a despensa sem chave.

– E que queres tu da despensa? perguntou o avô.

– Quero as aguarelas da Juju para pintar as pinhas, respondi eu despachada como de costume.

-Pois, mas agora não podemos entrar na despensa, disse o avô.

–  não??? porque é que não se pode entrar na despensa?

– Porque o natal  é um  tempo de Magia…os anjinhos andam por aí a ver  sevos meninos  se portam bem e eles gostam de se esconder nas despensas para as pessoas não verem o brilho das asas deles…Não se pode abrir  a porta senão eles assustam-se e depois não dizem ao Menino Jesus para passar cá na noite de Natal!

– Ahhh…!!!

Estava mais que espantada… será que o meu anjinho da guarda também estava fechado na despensa? Pensava eu que com 4 anos pouco sabia de anjos… sabia que havia anjos de papel nos  livros, anjos de madeira na igreja, anjos de partir na parede do meu quarto, anjos que não se viam como o anjinho da guarda… mas anjos da despensa nunca tinha ouvido falar!!!

A Guigui que sabia muitas coisas de anjos nunca tinha falado nos anjos das despensas!

O avô já estava outra vez a ler o jornal e eu fui espreitar no buraco da chave… talvez conseguisse ver um anjo da despensa… mas não se via catrapé de nada, como a Guigui dizia…

Com a história dos anjos tinha-me esquecido das pinhas e da pintura!

Corri pelo corredor, onde não se  podia correr porque o fogão boca de fogo estava aceso e fui encontrar a Juju na salinha de passar a ferro.

Em cima da mesa estavam muitos jornais abertos e latas de tinta de muitas cores.

A Juju estava à minha espera para começar a pintar as pinhas.

Às vezes eu segurava nas pinhas para ela pintar, outras vezes ela segurava na pinha com uma mão e com a outra ajudava-me a pintar “as línguas”das pinhas, sem me sujar muito.

No fim ficámos com as mãos sujas mas a Juju pegou num trapo, abriu um frasco que cheirava ao armazém do avô e limpou as nossas mãos.

As pinhas estavam mesmo bonitas! Ficaram ali a secar toda a noite.

Ao outro dia, a Juju pegou numa coisa redonda baixinha, feita com a mesma coisa dos cestos e encheu-a com as pinhas, o musgo das árvores e bocadinhos daquelas bolinhas vermelhas com picos que os rapazes tinham apanhado  no Pião.

Fez três parecidos e no fim pegou numas velas grandes com tranças e espetou-as no meio.

– Estão prontos, disse a Juju

– vamos levá-los para a sala?

– Não. Ficam aqui e só vão para a sala quando o Sr Capelo e o Gabriel vierem montar as mesas.

Foi então que me lembrei que no outro natal, quando eu ainda era  pequena, havia umas mesas muito grandes na sala!!!

Ahhh!!! Estava mesmo a aprender tudo, tudo do natal!

Quando é que viriam as mesas?

 

Assim se iam vivendo aqueles dias mágicos antes do natal!

No resto dos dias muito se falou nos anjinhos…

– come tudo, que os anjinhos andam aí a espreitar!

– porta-te bem que os anjinhos andam aí a espreitar!

– vai arrumar os brinquedos que os anjinhos andam aí a espreitar!

Mas afinal porque é que eu nunca via os anjinhos? Eu bem espreitava, mas nunca vi nenhum…

O que eu ainda tinha de aprender!!!

 

 

 

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