“Ai Senhor Camões já tinha saudades suas!” – gritou ela dos fundos da copa enquanto preparava uma tosta mista para outro cliente.
– Então, vai uma bicazinha? Sem princípio nem fim como o senhor gosta?
– Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
É um café e um rissol, antes que o meu intervalo de descanso acabe, já agora.
– Ui que o poeta hoje está enervadiço…
– Eu compreendo perfeitamente o estado de nervos deste senhor – meteu-se na conversa a administrativa que trabalha no 34 da Rua do Loreto – tal como eu que tenho apenas 10 minutos de break, e tenho que voltar a correr para um meeting e tenho quase a certeza que não vou cumprir o deadline do briefing e ainda me falta confirmar o budget e estou que nem posso com o stress que este job me faz. Como costumo dizer é tudo uma questão de mindset e olha smile smile kiss kiss não se vá abaixo que o senhor tem um look agradável e só lhe desejo que não entre em burnout como muitos que andam por aí mesmo acabadinhos de sair do lockdown!
Impávido, Camões levantou a pala de modos a focar melhor a criatura, e contendo-se para não ser acusado de paternalismo:
– Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço
Com tanto palavreado em estrangeiro quão da tua própria língua abdicaste
– Bullshit! Vá lá! Modernize-se! Vocês do antigamente precisam todos de um update rápido! Então todas as línguas evoluem se adaptam, se flexibilizam com a rapidez dos nossos dias, com o fluxo de informação e quer que a malta fique aqui na idade da pedra, isolados?
– Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.
O que de teu não usas quando falas, far-te-á falta ao reclamares a tua identidade!
A senhora desculpar-me-à mas do alto do meu pedestal cansadinho de ouvir estrangeiradas estou eu há tempo demais! A tempo de evoluir qualquer língua viva vive mas será que sou somente eu a achar demasiado o uso de palavras de outras línguas quando o português tem vocábulos para tudo? Posso até explicar-lhe detalhadamente…
– Vamos entrar na área do mansplaining, é isso? – Retorquiu a jovem
– Mau mau mau perdigão perdeu a pena, Não há mal que lhe não venha! – abanicou-se Camões contrafeito, ele que desconhecido por muitos, sempre teceu as palavras com cuidado, para não ferir susceptibilidades e mesmo assim acabou no calabouço… do esquecimento.
– Pois sim senhor Camões! Eu que sou eu ate já sei dizer bulingue! – rematou a empregada ao balcão enquanto com as pinças tentava agarrar o rissol quentinho aconchegado com os demais na travessa, isto sim bullying exercido sistematicamente contra a fofura gostosa da massa porque os camarões de bem escondidos passam incólumes.
O que acabou de ler, pode muito bem ser uma daquelas conversas matinais num qualquer café de Lisboa e arredores. Precisamos de falar como “abusivamente” usamos estrangeirismos diariamente. Não tendo nada contra, também não encontro nada a favor quando na língua portuguesa temos termos próprios e quando esta é considerada uma das línguas do mundo com mais palavras!
É certo que é difícil fazer uma estimativa exacta de quantas palavras tem cada idioma pois a contagem do léxico é além de difícil dificultada pelo simples facto de os dicionários registarem palavras fora de uso e muitas vezes deixam de mencionar muitos vocábulos novos.
Diz quem sabe que a língua portuguesa terá mais de meio milhão de palavras!
Depois disto use os termos na sua língua! Concorda?
Dê-nos a sua opinião!
Break – intervalo
Meeting – reunião
Deadline – prazo final
Briefing – resumo
Budget – orçamento
Stress – pressão; stresse
Job – trabalho
Mindset – mentalidade
Smile – sorriso
Kiss – beijo
Look – aparência
Burnout – esgotamento
Lockdown – confinamento
Bullying – assédio
Nota: Poesia de Luis Vaz de Camões:
Transforma-se o Amador na Cousa Amada
Hei-de Tomar-te
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Perdigão perdeu a pena