Na cidade tropical em que passei a minha infância, a temperatura no verão ultrapassava os 30 graus, e com dias de ponta perto dos 40.
A ingestão de líquidos bem frescos, era, mais do que um vício, uma necessidade; nos dias de canícula. a mais esperada e desejada das ofertas, era um copo cheio de água gelada, que podia até nem fazer bem, mas consolava o corpo.
Situemo-nos no tempo: anos 30, século XX.
Não havia ainda os frigoríficos domésticos dos dias de hoje, e a situação era, nessa bela e grande cidade, resolvida por uma Fábrica de Gelo, que o produzia e distribuía quase que porta a porta. Era fabricado em grandes barras de 1 metro de comprimento por 15 centímetros de grossura, e todos os dias, pelas 5 da manhã, saía da Fábrica numa camioneta carregada, devidamente isolada para que não sofresse o efeito da temperatura exterior.
Esse “Carro do Gelo”, era conduzida pelo Senhor Penetra, (era este realmente o seu apelido) que levava consigo apenas um ajudante. Parava no local mais central de cada bairro, e tocava três vezes a buzina, como quem diz: Cá está o homem do frio!
Os compradores surgiam cum um saco de juta na mão, e nele recebiam o gelo, na quantidade pretendida, habilmente cortada da barra pelo mencionado ajudante, e ali mesmo o pagavam.
Em cada casa, o saco de gelo era colocado numa arca, de boa madeira, o plástico ainda na existia, a que se chamava “a geleira”, onde estavam já as coisas perecíveis do comer, e as garrafas de água e outras bebidas , que assim ficavam como se pretendia: geladinhas.
Só nos anos 40 surgiram por lá os primeiros frigoríficos domésticos, que trabalhavam a petróleo, ou mais tarde, a eletricidade, que no caso, era ainda corrente contínua, a única na altura disponível.
Por herança e hábito, a esses novos frigoríficos se ficou a chamar também “geleiras” e, curiosamente, nunca frigoríficos, até mesmo na sua propaganda comercial.
O Sr. Penetra, o tal homem do frio, foi perdendo clientes, mas não deixou de conduzir o “Camião do Gelo” até à sua justa reforma. E, pelos vistos, ficou para sempre na memória de quem o conheceu.
É bom de vez em quando a todos recordar, que o que hoje têm, não existia antes, e que se o têm, o devem aqueles que antes, se dedicaram a criar o futuro, sem esperar agradecimento.
Atrás de vidas…vidas há!
Acrescento o meu pensamento sobre o assunto:
“O Gelo da Alma, queima mais que o da água … “