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Hilmenna é uma conceituada artista plástica de Mariupol. Sobreviveu e conta agora a sua dramática história

“Dizer que foi um inferno, é não dizer nada”

 |  Alexandra Ferreira  |  ,

“Eu sobrevivi. Passei 22 dias de guerra em Mariupol. Dizer que foi um inferno é não dizer nada. Perdemos tudo o que podíamos perder. Perdemos as casas, os pertences, os animais de estimação, os amigos e conhecidos, perdemos o contato com os parentes e nem sabemos se ainda estão vivos.”

É assim que Hilmenna, uma conceituada artista plástica da devastada cidade de Mariupol começa por relatar a sua história de guerra e horror.

Ela e o marido conseguiram fugir a 18 de Março sem nada com eles depois de terem passado verdadeiros horrores em caves escuras, sem água e sem comida e sem poderem sair à rua para passearem o seu pequenino cão.

Vamos aqui deixar o relato desta artista plástica que neste momento se encontra na Alemanha num centro para refugiados, com o marido, e é por lá que continua a pintar e a pintar desalmadamente.

“Eles tentaram matar-nos a cada minuto da nossa vida lá.”

“Em Mariupol mudamos três vezes de cave, mudamos de uma parte da cidade para outra.”

“Não dormimos porque não nos foi dada a oportunidade de fazê-lo, detritos estavam constantemente a cair em cima de nós. Como vimos mais tarde, aquelas granadas atingiram as casas dos nossos vizinhos. “

“Agora dizemos que ganhamos a ‘roleta russa’.”

“Estávamos sem água e eletricidade, perdemos as comunicações móveis e vivíamos em completa escuridão e medo, sem informações sobre o que estava a acontecer na cidade e no país, sem informações sobre os familiares e amigos.”

“Um familiar levou-nos de carro da Margem Esquerda (primeiro bairro onde estávamos).
A última cave em que ficámos era a de um prédio de nove andares. Os projéteis atingiram este prédio  40 vezes, se não mais, estivémos sob fogo constante de 8 a 18 de março. Mal dormimos. Estava muito frio na cave. Havia geadas na cidade, a temperatura do ar caiu para -13 ° C, na cave estava 5 ° C. E tínhamos janelas e portas abertas de todos os lados. Usávamos casacos de inverno, gorros e luvas.”

“Nos últimos dias, ficamos sem água potável e bebemos água alcalina que flui de canos. Comemos muito pouco e esticamos a comida o melhor que podíamos.”

“Os animais também passaram fome. Escusado será dizer que a cidade está cheia de animais de estimação – vivos e mortos.”

“Havia 76 pessoas connosco na cave. Todos famintos, zangados e irritáveis. Eles, como nós, perderam tudo o que tinham e estavam com medo de morrer a cada segundo. Houve muitas discussões, histeria e lágrimas naquela cave.”

“Nos últimos 3 dias [antes da fuga] não tive medo de nada, já nem me importava se morria ou não. Apenas olhei para a escuridão completa, inalei a poeira e a pólvora, senti os golpes por todo o meu corpo e sonhei que isso terminaria para mim o mais rápido possível e de qualquer maneira.”

“Conseguimos chegar a um lugar seguro, mas todos os nossos familiares permaneceram lá – nesse inferno que a Rússia criou para nós. Jamais esqueceremos ou perdoaremos esse horror.”

A artista plástica que vivia e nascera em Mariupol está agora refugiada em Estugarda onde tenta levar o dia a dia. Não sabe nada da família porque não há nem eletricidade naquela cidade, nem se conseguem fazer comunicações.

Não sabe nada da restante família. Mas já retomou a pintura…

O meu cão Nord

Hilmenna conseguiu finalmente fugir com o marido de Mariupol a 18 de março. Mas tem escrito algumas das memórias da guerra que viveu naquela cidade.

“Naquele dia, o meu cão tinha muito pouca comida. E isso apesar de o alimentamos com 1/3 da porção por dia. Sentados na cave de uma casa particular, às vezes não tínhamos hipótese de sair durante quatro dias de cada vez.”

“Bombas russas caíam constantemente sobre nós, as casas dos nossos vizinhos eram bombardeadas e tudo ao nosso redor estava em chamas. Eu não sabia o que fazer. O meu cão teve que ir fazer as necessidades à rua, ele não podia fazer na cave. Eu não tinha internet, mas sabia que sair para a rua era um perigo para animais e pessoas.”

“O meu marido, entre os 10 minutos que tinha entre um bombardeamento e outro, pegava no cão e saía a correr para o quintal arriscando a própria vida. Era quando eu rezava para que Deus os protegesse aos dois. Começou o bombardeamento e eles correram para dentro da casa e desceram para a cave.”

“Devido ás constantes explosões ao redor, Nord estava constantemente a tremer, a ganir e a ficar muito irritado e até a morder.”

“No 15º dia da guerra já não tínhamos água potável suficiente, todos bebíamos alguns goles para cada pessoa e alguns para o cão. Nord estava constantemente com fome, com sede, queria ir à rua fazer necessidades, queria que o bombardeamento acabasse para poder brincar com seus brinquedos favoritos como antes. Ele era apenas um cãozinho inocente. Os outros cães tiveram menos sorte do que Nord. Eles foram mortos por projéteis russos, morreram de fome na cidade, morreram de temperaturas congelantes até -15°C…”

A minha cidade, que dor!

“Minha cidade natal. O lugar onde cresci, o boulevar em que andava de bicicleta, passeava com os meus pais. A avenida onde saía com o meu marido. A praia onde meu avô me ensinou a jogar vólei. Posso partilhar para sempre todas as minhas memórias relacionadas a este quadro. Mas não consigo colocar em palavras a dor que estou a sentir.”

Atualmente a artista plástica está refugiada na Alemanha num centro para refugiados.

É por lá que continua a tentar pintar ou colocar em tela as memórias da sua terra completamente arrasada pelos russos.

Não lhe faltam nem tintas, nem telas em branco para as fazer explodir em cores ou não.

A pintura, diz-se, é uma verdadeira terapia.

 

Instagram de hilmenna Маріуполь

 

Créditos Imagem:

Instagram de Маріуполь

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