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Quica Melo
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Dia de Natal, já é hoje.

Quica, acorda! É hoje o dia! 

– É dia de Natal? 

– Não! Hoje é a Noite de Natal. É quando o Menino Jesus nasce! Amanhã é que é dia de Natal! 

Toda a casa cheirava a açucar, a leite e canela… a coisas boas. 

Vesti o roupão, calcei os chinelos e lá fui para a cozinha para tomar o leite. 

A Guigui estava atarefada com um tacho que mexia sem parar. Cheirava muito bem! 

– Ó Guigui, que estas a fazer? 

-Arroz doce para os gulosos! 

– E a Adélia? 

-Está a fazer a massa para os sonhos. Respondeu pacientemente a Guigui. 

Entretanto a Guigui já tinha parado de mexer o tacho e encheu duas travessas com arroz doce, branquinho, e brilhante. 

Claro que tive direito ao rapado do tacho que a Guigui pôs num pires para eu comer depois de tomar o leite.. 

Naquele dia nem havia tempo de ficar a olhar para o leite a pensar que era muito, ou a dar voltas à fatia de pão enquanto a depenicava.  Comi tudo num instante! 

Tinha de me portar muito bem. Havia anjinhos na despensa que iam contar tudo, mas mesmo tudo, ao Menino  Jesus. 

Fui à sala  ver se o presépio estava direitinho e parei espantada com o que vi. 

As três mesas tinham grandes toalhas brancas e alguém de noite tinha andado a pôr os pratos, os copos e os talheres. 

Os arranjos da madrinha Juju estavam muito bonitos com as pinhas pintadas e as velas de tranças muito esticadas. 

Havia muitas tacinhas com nozes, avelãs, pinhões, passas  e frutas de açucar às cores. 

Espalhados pelas mesas havia bombons com pratas de todas as cores. 

Estava eu a ver tudo com muita atenção quando mais uma vez a janela da sala foi aberta e começaram a entrar muitas cadeiras…tantas que eu nunca tinha visto. Eram cadeiras de casa do avô, eram cadeiras de casa do Ti João… as cadeiras nasciam pela janela e nunca mais acabavam. 

Por fim, todos os pratos tinham uma cadeira e a sala estava cheiinha. 

Na cozinha continuava o trabalho das sobremesas e o cheirinho era mesmo bom. 

Depois do almoço, fiz a sesta obrigatória e depois a madrinha Juju tratou de me ajudar a vestir a minha roupa de natal. Estava muito frio, portanto tive de vestir umas calças azuis e uma camisola vermelha nova  que a madrinha Jija tinha acabado de fazer. Só faltava prender a gola aos botões da camisola e calçar as botas.

Eu tinha um vestido novo mas a Juju disse que era para vestir “amanhã”… só não sabia que sapatos ia calçar porque os meus sapatos já estavam muito pequenos e não me serviam com meias… 

O avô chegou, deu-me a mão e fomos dar as Boas Festas como o pai e o avô dele faziam em Penamacor. 

Primeiro fomos a casa da D. Berta, aquela senhora muito simpática que morava no portão ao fundo da rua. 

A D. Berta era muito minha amiga e deu-me um guarda chuva de chocolate e um lencinho branco com uma bonequinha bordada. (ainda tenho esse lenço ) 

Depois o avô tocou à campainha do Sr. Pereira Nina para eu ir dar um beijinho a todos. O Zé Alfredo que era muito meu amigo, deu-me cigarros de chocolate e o Sr Pereira Nina deu-me uma nota para o mealheiro. 

Depois fomos a casa do Sr. Doutor Coelho e o Caoá  deu-me um saco cheio de moedas de chocolate. Ouro de chocolate como o Tomané dizia !!!

Já estava a começar a ficar escuro por isso fomos para casa. 

A Avó Laura   já tinha chegado e a  Deolinda e a Isabel já estavam na cozinha a ajudar. 

O cheirinho continuava a ser muito bom. 

Depois de repente começaram a chegar as outras pessoas todas. 

A TiXã, o ti Carlos, a Graça, a Belinha, a Guida, a Mimi, o Ti Zé e a Teresinha, o Sr Crespo, a D. Alice e a Micas, o Sr Padre Canário de Figueira de Castelo Rodrigo, o Sr. Padre Alberto de Vale de Espinho,  a D. Mª José e tanta outra gente que eu nem conhecia. 

As luzes da sala estavam acesas e as luzinhas do presépio também! Todos falavam com muita alegria e contavam-se histórias de pessoas grandes que eu não percebia muito bem. Falava-se das pessoas que já lá não estavam… Eu lembrava-me da Avó Né, que no outro natal estava sentada ao pé do avô…disseram que ela agora era uma estrelinha…Mas se era uma estrelinha, onde é que ela tinha guardado os pés e os braços? Não percebia muito bem aquela história das estrelas…

Só havia 3 crianças. Eu com 4 anos a Mª Alexandra Correia Mimi com 6  e a Micas com 7. Estávamos as 3 na pontinha da mesa e portámo-nos muito bem. 

No final do jantar, enquanto as senhoras bebiam o licor e os homens outras bebidas que eu não conhecia, nós os mais novos fomos para a frente do presépio. As luzes da sala apagaram-se e só brilhavam as do presépio. Os olhos da Maria, a mãe do Jesus que estava tapadinho porque ainda não tinha nascido, olhavam para mim e pareciam rir…( acho que hoje sempre que olho para ela , ela está sempre a rir…) e com as nossas vozitas ( diziam que eram de anjos…Mas os anjos estavam na despensa…) lá cantávamos “Ó meu Menino Jesus, ó meu Menino tão belo, só tu quiseste nascer, na noite do caramelo”. Depois, com as vozes muito fininhas e a tremer era “Glóóóóó-óóóória, in excelcis Deo” No fim, todos cantávamos a “Noite Feliz, com a voz grossa do avô a ouvir-se no meio das outras todas!

No fim ainda sobrava tempo para jogarmos ao “Anel”, com umas letras que as primas mais crescidas inventavam e depois riam-se muito! Eu acho que eram disparates…mas toda a gente se ria baixinho!!!

Eram 23H. Hor da Missa do Galo. Toca a vestir casacos, a por os garruços, os cachecóis e as luvas. Fechavam-se as janelas, mas…a janela da sala, ficava sempre um bocadinho aberta, para o Menino Jesus entrar!

Lá fomos todos a caminho do Hospital onde íamos todos os anos à Missa do Galo na capela. No meio da Missa tocavam sempre uns sinos com muita força e a Mimi dizia muito séria: “Olha, foi agora que nasceu o Menino Jesus. Já é meia noite!” Ela devia saber, porque tinha mais dois anos do que eu e já sabia contar muitos números!!!

No final da Missa, nós os mais pequenos, íamos todos a correr pela rampa do Hospital abaixo e depois pela rampa do Calvário para chegarmos muito depressa a casa! Era sempre a mesma coisa! Ficávamos ali parados a deitar ” fumo” pela boca e a bater os pés no chão, porque ninguém entrava em casa antes do avô!

Depois era o avô a espreitar pela janela, a ver se lá tinha estado o Menino Jesus, era ele a abrir as portas devagarinho para não assustar os anjinhos e de repente acendiam-se as luzes e os nossos olhos brilhavam de felicidade!!! O Menino Jesus tinha estado lá em casa e tinha ido muito carregado!

O Menino Jesus trouxe tudo o que eu pedi e mais uns livros de pintar, um jogo e…grande surpresa… de dentro de uma caixa embrulhada com estrelinhas saíram uns sapatos de verniz brilhantes com os meus pés de papel lá dentro. 

Afinal a Juju não tinha levado os pés de papel para o Porto, tinha-os mandado para os anjinhos saberem o meu número!!!e ficavam mesmo bem. 

Mais tarde, depois das prendas abertas e de nos termos despedido de todos, ainda  fui à dispensa ver se via os anjinhos, mas eles há tinham ido embira!!! fui então para a cama, com o coração cheio de amor, ternura, alegria e emoção. O sono depressa me  embalou  e  de certeza que vi com os olhos da alma o meu  Anjo da Guarda que velava e ainda hoje vela pela minha  felicidade e dos que me rodeiam. 

São passados 62 anos! Muitas destas pessoas já hoje são estrelas ( com os pés e as mãos escondidos nas suas almas). O que com eles vivi, peço a Deus, não me deixe esquecer, porque é o alento, a magia, a emoção, que me fazem viver cada Natal como se fosse o primeiro, como se pisasse as pedras da rua da minha Covilhã, como se tivesse o avô, a Jija, o padrinho Bicho, o padrinho Nino, a Guigui, o Zézinho, a Ti Xã, a Graça, a Guida e todos os outros ao meu lado, sorrindo para mim e dando-me coragem para continuar o caminho, a tradição , a magia.

Este também vai ser um Natal diferente, porque pelo caminho vão ficando pedaços da nossa vida que nos tocam  levemente como flocos de  de neve que se derretem quase sem darmos por isso, mas mesmo assim, deixando a sua marca…

Para vocês meus amigos, que tiveram a paciência de ler tudo até ao fim, não vos posso desejar mais nem melhor do que Um Natal que perdure nas vossas memórias como este e outros que eu tive a felicidade de viver na minha linda casa da Covilhã, com a família que me acolheu com tanto amor.

Um Santo e Feliz Natal Para todos

OUTRAS HISTÓRIAS…

Eram 4 horas! 

– Quica, bebe o leite num instante. Depois vamos vestir o teu vestido novo para ires dar as Boas festas às pessoas amigas.

Ai o vestido novo…era vermelho e tinha uns lacinhos azuis escuros. Tinha sido a menina Filipa que o tinha feito e era tão bonito!!! E os sapatos de verniz das festas… e o risco bem feito no cabelo e a franja bem penteada! Que bonita que eu estava! Pus-me a pé em cima da cama para me ver no espelho que estava por cima da cómoda… Hoje ninguém via que eu tinha os pés em cima da cama…e era só um bocadinho!

De mão dada ao avô, saí de casa com um garruço na cabeça e um cachecol. Ia dar as boas festas!

Primeiro, foi à D. Berta, lá ao fundo naquela porta da quinta. Depois fomos a casa do Sr. Pereira Nina e por fim, a casa do Sr. Dr. Coelho , que me deu um saquinho de rede cheio de moedas de ouro!!! Ouro de chocolate!!!

Quando chegámos a casa, já lá estava muita gente!!! A avó Laura, a Tia Conceição Quintela, a ti Xã e o Sr Correia, a D. Alice e o Sr. Crespo, a prima Zeca, O Sr. Dr. Celestino que tinha vindo de Lisboa, O Sr. Padre Canário que veio de Figueira de Castelo Rodrigo, o D. Padre Alberto, a Belinha,  a Gracinha, a Guidinha, a Mimi que era quase pequenina como eu… tanta gente…

As luzes da sala estavam acesas e as luzinhas do presépio também! Todos falavam com muita alegria e contavam-se histórias de pessoas grandes que eu não percebia muito bem. Falava-se das pessoas que já lá não estavam… Eu lembrava-me da Avó Né, que no outro natal estava sentada ao pé do avô…disseram que ela agora era uma estrelinha…Mas se era uma estrelinha, onde é que ela tinha guardado os pés e os braços? Não percebia muito bem aquela história das estrelas…

No final do jantar, enquanto as senhoras bebiam o licor e os homens outras bebidas que eu não conhecia, nós os mais novos fomos para a frente do presépio. As luzes da sala apagaram-se e só brilhavam as do presépio. Os olhos da Maria, a mãe do Jesus que estava tapadinho porque ainda não tinha nascido, olhavam para mim e pareciam rir…( acho que hoje sempre que olho para ela , ela está sempre a rir…) e com as nossas vozitas ( diziam que eram de anjos…Mas os anjos estavam na despensa…) lá cantávamos “Ó meu Menino Jesus, ó meu Menino tão belo, só tu quiseste nascer, na noite do caramelo”. Depois, com as vozes muito fininhas e a tremer era “Glóóóóó-óóóória, in excelcis Deo” No fim, todos cantávamos a “Noite Feliz, com a voz grossa do avô a ouvir-se no meio das outras todas!

No fim ainda sobrava tempo para jogarmos ao “Anel”, com umas letras que as primas mais crescidas inventavam e depois riam-se muito! Eu acho que eram disparates…mas toda a gente se ria baixinho!!!

Eram 23H. Horas da Missa do Galo. Toca a vestir casacos, a por os garruços, os cachecóis e as luvas. Fechavam-se as janelas, mas…a janela da sala, ficava sempre um bocadinho aberta, para o Menino Jesus entrar!

Lá fomos todos a caminho do Hospital onde íamos todos os anos à Missa do Galo na capela. No meio da Missa tocavam sempre uns sinos com muita força e a Mimi dizia muito séria: “Olha, foi agora que nasceu o Menino Jesus. Já é meia noite!” Ela devia saber, porque tinha mais dois anos do que eu e já sabia contar muitos números!!!

No final da Missa, nós os mais pequenos, íamos todos a correr pela rampa do Hospital abaixo e depois pela rampa do Calvário para chegarmos muito depressa a casa! Era sempre a mesma coisa! Ficávamos ali parados a deitar ” fumo” pela boca e a bater os pés no chão, porque ninguém entrava em casa antes do avô!

Depois era o avô a espreitar pela janela, a ver se lá tinha estado o Menino Jesus, era ele a abrir as portas devagarinho para não assustar os anjinhos e de repente acendiam-se as luzes e os nossos olhos brilhavam de felicidade!!! O Menino Jesus tinha estado lá em casa e tinha ido muito carregado!

O Menino Jesus trouxe tudo o que eu pedi e mais uns livros de pintar, um jogo e…grande surpresa… de dentro de uma caixa embrulhada com estrelinhas saíram uns sapatos de verniz brilhantes com os meus pés de papel lá dentro. 

Afinal a Juju não tinha levado os pés de papel para o Porto, tinha-os mandado para os anjinhos sabetem o meu número. 

Mais tarde, depois das prendas abertas e de nos termos despedido de todos, íamos para a cama, com o coração cheio de amor, ternura, alegria e emoção. O sono depressa nos embalava e víamos com os olhos da alma o nosso Anjo da Guarda que velava e ainda hoje vela pela nossa felicidade.

São passados 58 anos! Muitas destas pessoas já hoje são estrelas ( com os pés e as mãos escondidos nas suas almas). O que com eles vivi, peço a Deus, não me deixe esquecer, porque é o alento, a magia, a emoção, que me fazem viver cada Natal como se fosse o primeiro, como se pisasse as pedras da rua da minha Covilhã, como se tivesse o avô, a Jija, o padrinho Bicho, o padrinho Nino, a Guigui, o Zézinho, a Ti Xã, a Graça, a Guida e todos os outros ao meu lado, sorrindo para mim e dando-me coragem para continuar o caminho, a tradição , a magia.

Este também vai ser um Natal diferente, porque pelo caminho vão ficando pedaços da nossa vida que nos tocam  levemente como flocos de  de neve que se derretem quase sem darmos por isso, mas mesmo assim, deixando a sua marca…

Para vocês meus amigos, que tiveram a paciência de ler tudo até ao fim, não vos posso desejar mais nem melhor do que Um Natal que perdure nas vossas memórias como este e outros que eu tive a felicidade de viver na minha linda casa da Covilhã, com a família que me acolheu com tanto amor.

Um Santo e Feliz Natal Para todos

Depois do almoço, fiz a sesta obrigatória e depois a madrinha Juju tratou de me ajudar a vestir a minha roupa de natal. Estava muito frio, portanto tive de vestir umas calças vermelhas  de xadrez  e a camisola branca nova  que a madrinha Jija tinha acabado. Só faltava prender a gola aos botões da camisola e calçar as botas.

Eu tinha um vestido novo mas a Juju disse que era para vestir “amanhã”… só não sabia que sapatos ia calçar porque os meus sapatos já estavam muito pequenos e não me serviam com meias… 

O avô chegou, deu-me a mão e fomos dar as Boas Festas como o pai e o avô dele faziam em Penamacor. 

Primeiro fomos a casa da D. Berta, aquela senhora muito simpática que morava no portão ao fundo da rua. 

A D. Berta era muito minha amiga e deu-me um guarda chuva de chocolate e um lencinho branco com uma bonequinha bordada. (ainda tenho esse lenço ) 

Depois o avô tocou à campainha do Sr. Pereira Nina para eu ir dar um beijinho a todos. O avô e o Sr. Pereira Nina não eram muito amigos mas ele sabia que eu gostava muito deles e eu lá fui enquanto o avô conversava com o Norato na rua. 

Depois fomos a casa do Sr. Doutor Coelho que me deu um saco cheio de moedas de chocolate. Ouro de chocolate!!!

Já estava a começar a ficar escuro por isso fomos para casa. 

A Avó Laura e   já tinha chegado e a  Deolinda e a Isabel já estava na cozinha a ajudar. 

O cheirinho continuava a ser muito bom. 

Depois de repente começaram a chegar as outras pessoas todas. 

A TiXã, o ti Carlos, a Graça, Belinha, a Guida, a Mimi, o Sr Crespo, a D. Alice e a Micas, o Sr Padre Canário de Figueira de Castelo Rodrigo, o Sr. Padre Alberto de Vale de Espinho,  a, D. Mª José e tanta outra gente que eu nem conhecia

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