Datas relembram pessoas: a de 13 de Junho fez relembrar o nascimento e o inesperado período da sua formação na pré-adolescência e na adolescência de uma delas.
Criança tímida, arrancada aos 8 anos de idade incompletos da vivência lisboeta da última década do século 19 para terras a muitos milhares de quilómetros de distância, viu-se assim mergulhada na realidade de longínquas latitudes. Qual o impacto dessa emigração, da metamorfose a que o íntimo dessa criança introvertida acabaria por ficar sujeito em ambiente tão desconhecido quanto estranho em que se viu bruscamente inserido? Muito pouco ou nada se saberá.
Ali chegara com a sua mãe que enviuvada se consorciara com o Comandante João Miguel Rosa, já nomeado pela Coroa Portuguesa para funções consulares em paragens do Índico onde o Inglês era o idioma oficial. O Ensino em que a criança foi matriculada apostava em seguir e impor rigorosamente o mais elevado padrão escolar mantido na metrópole britânica.
O intelecto da criança introvertida floresceu, abriu-se ao conhecimento que o casulo familiar, a referida escolaridade e os primeiros passos a nível superior lhe trouxeram em Durban, a capital da então colónia britânica do Natal, na África do Sul.
Haveria mais a levar em linha de conta, mais a poder ter deixado profundas marcas no íntimo daquela criança. Pois poucos anos após a sua inclusão nessa cultura estrangeira eclodia uma das guerras mais sangrentas dos fins do século 19 e princípios do século 20: a Segunda Guerra Anglo-Boer.
Um conflito bélico que envolveria um milhão da soldadesca britânica (muita dela vinda de colónias como o Canadá, Austrália e a Nova Zelândia) e do outro lado das linhas antagónicas nas Repúblicas Boer independentes comandos Boer armados e todos os residentes em zonas urbanas e rurais; belicidade que em três anos custou para cima de 25.000 vidas Boer (grande parte em campos de concentração), acima de 22.000 baixas nas fileiras britânicas e de 12.000 vidas da população local negra em zonas do conflito; desconhecendo-se o total de feridos com maior ou menor gravidade.
Qual terá sido o impacto dessa intensa belicosidade, desse conflituoso ambiente respirado na colónia britânica do Natal onde a criança, depois adolescente, comungava com a sua família de um quotidiano em zona directamente envolvida na Segunda Gerra Anglo-Boer? Também muito pouco ou nada se saberá.
Entre 1896 e 1905 o jovem completava na cidade de Durban com excelente aproveitamento a sua escolaridade primária, secundária, média e já preliminarmente superior. Aos 18 anos de idade regressava de vez a solo pátrio para se matricular no Curso Superior de Letras em Lisboa, sem ali ter terminado os seus estudos universitários. Em contínua, assídua e dedicada investigação, porém, e também produção literária viria a falecer aos 47 anos de idade no Hospital S. Luís dos Franceses do Bairro Alto em Lisboa, reza a referência.
Antes e depois desse fatídico dia 30 de Novembro de 1935 muito se escreveu, se analisou e celebrou acerca do jovem regressado do estrangeiro que passara a ganhar o seu pão como correspondente comercial, tradutor e publicitário, e que como poeta, ensaísta, dramaturgo, crítico literário e comentarista ascendera ao mais alto patamar da cultura, tanto portuguesa como universal; tinha também assinado a sua obra com heterónimos como: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares, Charles Robert Anon e H.M.F. Lecher, entre vários outros.
Datas fazem relembrar pessoas: a de 13 de Junho fez relembrar que em 1888 no Chiado em Lisboa, fez 135 anos, filho de pai lisboeta e de mãe açoreana nascia – Fernando António Nogueira Pessoa.