fbpx
Monteiro Cardita
 |  ,

Crónica dos dias tristes

Ao dia de todos os santos segue-se o de finados, aquele em que prestamos culto aos mortos e em particular aos nossos defuntos.

Para mim, no entanto, esta quadra mais triste começa logo a 30 de outubro, dia em que faleceu o meu querido e saudoso pai. Este ano cumpriu-se um número redondo. Passaram 50 anos desde que partiu e ainda não me consegui habituar à sua ausência.

Por terem sido dias verdadeiramente traumáticos, dada a circunstância em que ocorreu a sua morte e o contexto em que me vi envolvido, fiz por esquecer esses tempos até que decidi recordar as suas últimas imagens e palavras.

Recorri então à hipnose para trazer à lembrança o que antes quisera olvidar.

E a memória veio nítida e as palavras também. Não tenhas medo filho, não tenhas medo, que o pai e a mãe voltam amanhã. Do brutal acidente felizmente sobreviveu a minha mãe, depois um longo internamento hospitalar.

Desses tempos de revolta e incompreensão da realidade já consigo hoje ter uma imagem mais conformista, mas sobretudo agarro-me à ideia de que é preciso viver esta passagem sem medos, enfrentando os dias pronto para morte com a certeza de que cada um é uma aprendizagem.

O nosso lugar de conforto pode ser arruinado a qualquer momento mercê de acontecimentos que nos são completamente alheios e para os quais em nada contribuímos. Simplesmente acontecem incompreensíveis fenómenos que nos desarticulam as vidas e as viram pernas de para cima e de cabeça para baixo.

 

Esta incerteza, dizem uns, é o picante, o sal da vida, mas para outros pode ser uma mistela intragável que nos entorpece os sentidos e destrói as vísceras em carne viva.

Todos sabemos que esta existência não é um poema em linha reta, antes é feita de muitas dores, angústias, tristezas, sofrimentos, aflições e provações compensadas, é certo, por momentos de alegria, felicidade, júbilo, gáudio, prazer, deleite, luxuria, contentamento e satisfação.

Esta dualidade que conseguimos percorrer nos incertos anos que nos são permitidos viver podem padecer de desequilíbrios vários, tanto no lado positivo como na parte negativa. Há vidas que se as olharmos de que ângulo for são um rol infindável de tristezas e infelicidades e já outras se nos apresentam radiosas e repletas de bem-estar.

Tal pode acontecer por longos anos ou por curtos períodos; mas se para uns as lembranças que perduram são as dos dias felizes, para outros é a memória dos dias tristes que deixam marcas mais profundas.

De acordo com o princípio hermético do ritmo “tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação”, explicando esta lei que os humanos vivem em ciclos. No ciclo da minha existência aquele 30 de outubro de 1972 foi uma data deveras amarga e triste que registo como um dos piores tempos que me foram dados a viver até agora.

Créditos Imagem:

@Unsplash Free Photos

© 2022 Direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução na totalidade ou em parte, em qualquer tipo de suporte, sem prévia permissão por escrito da Segue News. | Prod. Pardais ao Ninho.