Não vou escrever sobre a guerra, não quero escrever sobre a guerra, recuso-me a escrever sobre a guerra, muito embora ela esteja omnipresente. Nesta crónica gostaria de falar sobre pessoas felizes a passearam-se nas praias ensolaradas, nos parques com as suas famílias, acompanhadas de amigos, sobre as crianças a correrem livremente em gargalhadas e gritinhos de pueril alegria nas migalhas de pão e de bolachas que dão aos patos nos lagos, ou a correrem diretas para as ondas do mar para grande aflição dos pais.
Não, não gostaria de redigir uma linha que fosse sobre pessoas mortas, assassinadas, em fuga, de crianças esventradas e de famílias destruídas e de prédios, escolas, bibliotecas, teatros estilhaçados por bombas. Nada disso.
Vou falar, pois, sobre os transportes públicos na Bélgica que funcionam pontualmente tal e qual os relógios na Suíça, que costumava ser um país neutral. Há hora marcada lá está o autocarro, o comboio ou o elétrico a chegar à paragem, à estação ou ao apeadeiro.
Rejeito escrever sobre a barbárie sem limites, capaz de todas as atrocidades e desumanidades inimagináveis. Vou tentar em vez disso elaborar sobre geométricos jardins de tulipas que ficam resplandecentes em cada primavera colorindo os dias de uma beleza que nos invade os olhos.
Não vou falar de outras invasões nem da loucura da demonia que traz prenha a besta do horror. Antes vou construir uma narrativa em volta do nevão que inesperadamente cobriu de branco boa parte do norte da Europa no primeiro dia de abril, parecendo querer assinalar com uma verdade em que ninguém acredita o dia das mentiras, mas confirmando a ideia de que o planeta está a passar para outra realidade climática, seja alteração ou mudança.
Não quero falar das imagens que nos chegam de Bucha ou de Mariupol. Prefiro contar-vos das festas de mesas fartas de boa comida e melhores vinhos, da alegria, do convívio, dos sorrisos, dos risos, das palavras bonitas e simpáticas que trocamos, da gentileza com que nos relacionamos e dos brindes à saúde, a nós, aos amigos, à vida, à felicidade, ao amor.
Não me quero pronunciar sobre a destruição total e a ruína absoluta de um ataque nuclear. A humanidade não merece esse altar de sacrifício. A arquitetura das catedrais, a ciência que nos leva a Marte, ao cosmos ou desvenda o ADN, a filosofia que nos eleva o pensamento, a literatura que conduz à imaginação, a poesia que é beleza pura, a pintura que é sublimação, a música que nos toca o coração são as faces brilhantes do génio humano que os espectros das sombras querem eliminar.
Quero sonhar um tempo novo de verdadeira fraternidade universal sem impérios nem imperadores, apenas de compreensão, tolerância e respeito pelos valores humanistas que eticamente traçam a distinção entre a barbárie e a civilização.