Como já vos disse, vim para um colégio no Porto onde fiquei interna com 8 anos.
Não foi dolorosa a transição porque adaptei-me sempre bem a novos desafios, mas indubitavelmente houve coisas que estranhei e cuja memória ficou para sempre guardada.
Sabem o que mais me custou?
Foram as noites!
Sentia mais a falta da minha cama, do calor da minha casa, do cheiros… mas por mais incrível que pareça, uma das coisas de que mais senti falta, foi dos relógios lá de casa.
Em casa quando acordava de noite, sabia que se ficasse muito quietinha conseguia ouvir os relógios a “falar.”
O primeiro era o grande da sala.
Morava na parede e nunca estava quieto, com o badalo a balançar de um lado para o outro, num ritmado tic, tac… falava de 15 em 15 minutos com uma voz cheia e importante. Primeiro só com um dlim, depois com 2 dlindlãos, depois com 3 e por fim com o toque total que me habituei a ouvir nos sinos das aldeias que fui conhecendo ao longo da vida e me encheram sempre de nostalgia.
Se estivesse com muita atenção também ouvia o relógio da sala de visitas, que era em frente ao meu quarto.
Era um relógio de metal muito trabalhado e bonito que morava por cima do móvel das gavetas, debaixo da grande fotografia do avô João Bicho com o seu bigode e olhos redondinhos.
Era muito discreto na sua fala; Um discreto tlim… mas o suficiente para marcar presença nas noites silenciosas e grandes.
Depois havia o relógio despertador do padrinho Bicho e o relógio da cozinha, mas esses eram muito discretos e eu não os ouvia.
Era o padrinho Bicho que dava vida aos relógios metendo-lhes uma chave na barriga e rodando.
Muitas vezes perguntava a mim mesma se os relógios não teriam coceguinhas na barriga com tanta volta que o padrinho dava para um lado e para o outro…
Pois esses sons faziam-me muita falta no colégio e estranhei muito a sua falta.
Não que faltassem barulhos… havia sempre colegas a balbuciar, a virar-se na cama, o barulho do mar e dos elétricos a passar na avenida.
Mas eu queria ouvir os relógios de casa. Queria a segurança que me davam nas noites por vezes compridas.
Quando regressava a casa nas férias, deixava-me embalar pela presença daqueles amigos badaladores e comecei mesmo a conseguir ouvir em algumas noites os sinos de Sta Maria e outros muito, muito ao longe que nunca consegui saber ao certo de que igreja eram.
Atualmente ninguém precisa de relógios públicos.
Temos dezenas deles, nos bolsos, do tamanho de uma cabeça de dedo que até têm a possibilidade de tocarem de 100.000 maneiras diferentes…
São outros tempos.
Mas o que eu vos posso dizer é que quando vou para a pequena Aldeia de Queimada, continuo a gostar de ouvir o relógio que toca, embora de forma mecanizada, a mesma melodia do relogio da minha infância na casa da Covilhã.
Oiço o seu primeiro badalar às 6h da manhã, quando o dia começa a acordar em terras beirãs… e com o seu badalar voa o meu pensamento para a casa das persianas azuis da minha querida Covilhã.
Muitos beijinhos