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Quica Melo
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As mesas com glu-glus

Estão quase a acabar as postagens do natal. Depois desta, só mesmo a da noite de natal.

No entanto não podia deixar de vos falar de dois acontecimentos muito importantes do nosso natal da Covilhã.

Estavamos na semana do Natal.

Eu que já sabia contar até 5, já conseguia ver nos dedos das mãos quantos dias faltavam para o Natal.

Em casa continuava tudo muito misterioso.

Todos os dias me sentava à porta da despensa na esperança de ver algum anjinho.

Tinha feito todos os possíveis para apanhar algum distraído. Espreitava pelo buraco da chave, deitava-me no chão para espreitar pela fisga da porta, espreitava pelo espacinho que ficava entre a porta e a parede… mas nada de anjos…nem um brilhozinho sequer.

Agora sorrio da minha inocência, mas na altura estava mesmo convencida que tínhamos anjos escondidos lá em casa.

O que mais me intrigava é que nunca dava conta de ninguém ir à despensa mas o aspirador e a enceradora já andavam a trabalhar. Alguém tinha ido à despensa!!!

Mas havia tantas coisas a acontecer  que depressa me entretinha com outra coisa qualquer que não tivesse asas.

A coisa mais importante tinha sido a mudança da sala.

A Guigui e a Adélia tinham enrolado a carpete grande da sala e ela tinha desaparecido.

A sala ficava muito esquisita sem carpete, parecia que lhe faltava o vestido!

Depois a Adélia pôs cera no chão e lá andei a segurar a enceradora com ela a ajudar. Como sempre acontecia, o fio enrolava-se nas pernas e a Adélia largava a enceradora para tirar o fio e era muito engraçado ver a enceradora a andar sozinha à roda toda esticada no chão. Parece que ainda oiço as gargalhadas que dava misturadas com o ladrar enfurecido do Bobi que era alérgico a enceradoras, aspiradores, vassouras…era alérgico a tudo o que o incomodasse.

A partir daquele dia começámos a almoçar e jantar na sala do fundo, na mesa redonda.

No dia a seguir houve outro acontecimento importante.

Mais uma vez veio a carrinha do avô com o Sr Fazendeiro, o Sr Capelo e o Gabriel.

A carrinha vinha carregada de tábuas.

Abriram a janela toda da sala e começaram a meter por ela tábuas compridas que eu não percebia para que eram.

Depois, como por magia, o Sr Capelo abriu umas madeiras e pôs por cima uma tábua comprida… era uma mesa!!! O Gabriel abriu mais  4 pés de madeira e com a ajuda do Sr. Fazendeiro pôs as tábuas por cima.

O Sr. Capelo joelhava-se e punha uns parafusos ou uns pregos para as segurar umas às outras. Tudo tinha, sido construído por ele e só ele é que sabia pôr tudo direitinho sem abanar. 

Estava eu muito quietinha no canto da sala quando se ouviu um grande alvoroço.

Mais uma vez o Bobi ladrava furioso e para meu espanto, vejo um perú enorme com as patas amarradas a entrar pela porta adentro.

Eu detestava e tinha medo de perús. Ainda hoje é bicharoco que não me cai no goto!!!

Assim, fugi para a ponta do corredor completamente aterrorizada com aquele monstro que tinha entrado em casa e estava muito vivo.

Dei conta que o tinham posto no saguão e fui a correr para a janela do quarto para ver o que se estava a passar. Já o bicharoco se passeava a bicar as ervas do muro. A abanar a cabeça para cima e para baixo. 

Enterrei o meu nariz no vidro da janela e quase que morria de susto.!

O avantesma levantou a cabeça careca e soltou um glu glu glu altíssimo que me assustou de tal maneira que quase caí no chão. 

Não gostava do animalejo mas não conseguia despregar os olhos da janela atraída pelo insólito de ter uma coisa de penas tão grande e tão vivo a passear-se no saguão. 

Durante dois dias, acordava com glus glus e adormecia com glu glus. 

A Guigui dava-lhe milho e couves e ele passava o dia a bicar ervas. 

No 3º dia de manhãzinha acordei com a Guigui e a Adélia a resmungarem no saguão. Diziam qualquer coisa de um funil e do bico mas a madrinha Juju entrou no quarto e não me deixou ir à janela. Nesse dia fomos à Boidobra à quinta buscar ovos, batatas, couves, nabos, nozes e uma galinha morta que estava dentro de um alguidar de barro grande com um pano amarelo por cima. 

Quantas vezes passados estes anos todos, quando faço canja me lembro daquela galinha com as patas a sair por baixo do pano amarelo!!! 

À noite já não havia perú. A Guigui disse-me que ele ”tinha ido à vida ”. 

Mal eu sonhava que dois dias depois vinha para a mesa em fatias acompanhado de batatas fritas fininhas. 

Só uns anos mais tarde me apercebi do que realmente acontecia aos perús e para que era preciso o funil. 

Faltavam 2 dias. Nesses 2 dias era preciso limpar os faqueiros com uma rolha e cinza que era uma coisa muito chata. Era preciso passar a ferro as grandes toalhas brancas(agora sou eu que as tenho), os guardanapos e limpar muito bem os copos que estavam guardados no armário. 

As mesas estavam em forma de U e a sala nem parecia a nossa sala! 

Os arranjos da madrinha Juju foram postos em cima das mesas que ficaram logo mais bonitas. 

Todos os dias à noite cantava ao Menino Jesus, que ainda não tinha nascido e pedia-lhe para, se pudesse, me trazer umas aguarelas só para mim, uns lápis de cor novos e um fogão com panelas. 

Eram assim os preparativos do Natal em casa da Família Barata Bicho. 

Foram sempre dias cheios de magia e encantamento. Mesmo quando viemos para o Porto, as tradições mantiveram-se por muitos anos e só agora vão sendo feitas coisas um pouco diferentes do que era na altura. 

Volto para o dia de Natal. 

Muitos beijinhos e não deixem as tradições morrer. 

 


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