Katya é uma sobrevivente do cerco a Mariupol. Tem 16 anos e conseguiu sair da cidade com o irmão de 5. A mãe morreu na cave do prédio, depois de uma vizinha. O tio explodiu numa mina quando tentava levar o cadáver para a rua.
O relato de Katya foi recolhido por Vira Khvust uma voluntária ucraniana que tem apoiado os refugiados de vários locais bombardeados da Ucrânia.
Escuta-os a desabafarem as suas histórias de guerra, depois pede-lhes permissão para as contar para que todos saibam o que se está a passar naquele país invadido pela federação russa.
Este é o relato de uma adolescente de 16 anos que morava em Mariupol…
“Sabes aquela sensação que dói? Uma vez apaixonei-me por um rapaz, ele não correspondeu e fez-me sofrer. Mas nada dói tanto como ver a nossa mãe morrer lentamente à nossa frente. E o meu irmão sempre a abaná-la e a pedir-lhe:
‘Mamã não durmas senão congelas’. E nós nunca poderemos visitar a sua campa. Ela ficou morta na cave escura e húmido. Íamos à casa de banho, dormíamos, comíamos sobras, tudo naquela cave escura. Uma vez o tio Kolya conseguiu apanhar um pombo. No quinto ou sexto dia, nós fritamos e comemos o pombo. Depois vomitamos todos.
A minha mãe aguentou até à última. Três dias antes da evacuação, morreu. Eu disse ao meu irmão que ela estava a dormir profundamente e não queria ser acordada. Mas ele parece entender tudo. Ele entendeu quando a nossa vizinha morreu na cave e não conseguimos carregá-la [devido ao bombardeio constante], e ela começou a cheirar mal. Quando [o bombardeio] parou e o tio Kolya a carregou para fora e acabou por explodir numa mina.
A minha mãe chorou imenso. Após a morte do meu pai, o tio Kolya era a pessoa mais próxima…
Os cadáveres fedem muito e estavam por todo lado. Cobri os olhos do meu irmão com o lenço da minha mãe para que ele não visse nada disto. Enquanto corríamos para sermos evacuados quase vomitei várias vezes. Não acredito mais em Deus. Se Ele existisse, não sofríamos.
A minha mãe nunca, nunca fez mal a ninguém. Ela ajudava o irmão, o tio Kolya. Ela ia à igreja, confessava-se com frequência. Eu também. O tio Kolya até parou de fumar para que a minha mãe não ficasse nervosa por um pecado. E o Deus que ela amava levou-a embora. O padre disse que minha mãe iria agora servir a Deus. Mas ela servia melhor aqui, a criar-nos.
Eu odeio a Rússia. Tenho um tio que mora lá. Sabes o que ele me disse hoje ao telefone quando lhe liguei? ‘Kátia? Quem é Kátia? Menina, eu não te conheço. Que guerra, que Katya? Ele escreveu-me de outro número de telemóvel uma mensagem que dizia: ‘Katya, não me contates mais. Não é seguro para mim e para a minha família. Não vai devolver-te a mãe.”
Eu odeio-os! Ela era a irmã dele. Como é possível? … acho que vou voltar para Mariupol. E vou morar no mesmo lugar. E todos os anos, no mesmo dia, desço à cave de uma nova casa e coloco flores.
Também é assustador quando as crianças choram, porque não deveriam. Não se devia ouvir crianças a chorar. Estes loucos russos encontraram pessoas em caves e mataram-nas. Os que sobreviveram disseram que os invasores russos violaram crianças e idosos e até cadáveres.
Se existe um Deus, por que Ele permite isso? Não quero mais viver. Provavelmente vamos ser divididos e, talvez, eu não volte a ver o meu irmão. Para que tudo isso? Por que é que esse Putin nos foi “salvar”? Vivíamos bem, até compramos um carro. O tio Kolya prometeu ensinar-me a conduzir. Os russos queimaram o carro. E já não existe apartamento.
Eu quero morrer, mas não posso. Abrace muito os seus filhos! Caso contrário, quando morreres eles não se lembrarão do teu cheiro. Se eu suportar e tiver filhos algum dia, vou abraçá-los 24 horas por dia, 7 dias por semana.”