Do livro “Charneca em Flor” da Florbela Espanca há um terceto do soneto intitulado “Árvores do Alentejo” que por o achar deveras impressivo o retenho de memória desde que pela primeira vez o li e aqui hoje o transcrevo: “Árvores! Não choreis! Olhai e vede:/ – Também ando a gritar, morta de sede,/ Pedindo a Deus a minha gota de água!”.
Lembrei-me dos versos implorando a água quando passei pelo sequíssimo lugar das Charnequinhas a caminho da barragem de Campilhas, a poucos quilómetros da minha terra
natal.
Fui ver, como São Tomé, com os meus próprios olhos, o que representava na verdade a ocupação de apenas 3,8% da capacidade de armazenamento de água de uma albufeira que é meu local de romagem desde sempre.
Se aos menos as minhas lágrimas ajudassem ao seu enchimento, verteria todas as que pudesse em pranto de enorme tristeza perante tão desolador quadro. Não tenho memória de tão fraca ocupação e não há verão primavera, verão, outono e inverno que a não visite pelo menos duas ou três vezes.
Na minha lembrança correm imagens d’outrora de grandes alagamentos com o poço de descarga a mandar fora o excedente por forma a não rebentar o paredão. Era sempre uma enorme alegria saber que Campilhas estava de novo grávida de muita água.
Talvez por o meu pai ter trabalhado na sua construção onde cegou de uma vista e de ter ouvido imensas histórias à volta do feito, para mim esta sempre foi a barragem das barragens, maior mesmo do que a de Castelo de Bode ou que a de Assuão por ser a “minha” barragem e por isso ser única, um pouco à semelhança do rio da minha aldeia do Fernando Pessoa.
Vivemos hoje em dia o tempo da mudança climática e não de alterações climáticas como se ouve muito por aí. O paradigma climático é outro e não lhe conhecemos ainda os novos ciclos pelo que a dúvida sobre a nova regularidade das estações é total.
Sabemos, isso sim, que vivemos extremos de calor, de frio, de chuva, de seca, de ventanias, num desalinho dos elementos em que o fogo vem ajudar a alimentar a incerteza tudo devorando no seu caminho quando se ateia.
A barragem de Campilhas está à mingua de água, quase um charco, sendo mesmo a albufeira que menos água tem armazenada no conjunto das represas do país. Mas, a secura ainda não é total. Percebemos melhor que a esperança nunca saiu da caixa de Pandora quando de uma nascente, pelo povo chamada de “bica santa”, continua a jorrar cristalino e puro o precioso líquido que vem das entranhas da Serra do Cercal.