Vou hoje falar-vos duma profissão que provavelmente desconhecem, mas é fascinante: fazer a entrega, em qualquer ponto do mundo, dum veleiro saído do estaleiro que o construiu.
Entrega feita por mar, por apenas um tripulante em solitário, que faz o percurso, entre oceanos e continentes. São barcos de cruzeiro de desporto, de pequena ou média dimensão, cuja entrega é mais segura e económica a navegar, do que no convés dum navio de carga.
O tripulante escolhido para cumprir essa missão, tem carta de Patrão de Alto Mar, e é sempre um velejador experimentado. Chega de avião, recebe o barco, e parte para a viagem, sempre longa, numa aventura tão interessante quanto delicada.
Estes pequenos barcos estão, nos tempos de hoje, bem equipados com radar, GPS, piloto automático, comunicações rádio por satélite, boletins de tempo local ou de percurso, cartas marítimas computorizadas com marcação de posição, que são inegáveis auxiliares de navegação e segurança, que não possuíam há poucos anos atrás.
Sendo, barcos que usam apenas o vento como forma de propulsão, requerem durante o percurso um constante e treinado olhar sobre o velame, para se manterem em constante rendimento, tanto na correcta escolha das velas, quanto no seu ajuste, de posição ou de superfície.
Pôr as velas “a beijo” faz-se com cabos, tal como se faz para içá-las ou arriá-las, muito embora hoje, pequenos rotôres eléctricos, possam também executá-lo.
Quanto a velas, quatro fundamentais se usam: a Vela Grande, do mastro para a popa e, o Estai, do mastro para a proa; há Estais de maior dimensão e excedente rendimento, que se chamam Genoas ou Genovezas, por terem sido criadas na área náutica dessa cidade Italiana; as outras duas, são para a navegação à popa e ao través , a primeira a topo de mastro, enche-se como um saco, e por tal se lhe chama Balão, e a segunda cujo nome em marinharia é Spinaker, que usa um tangão no punho da escota, o Spi, que a mantém afastada, tornando-a mais manobrável e eficiente.
Por aqui já se vê, que o tal “entregador” solitário, tem muito com que se entreter a cada momento.
O barco tem sempre um motor interno, de combustão, com propulsão a hélice, e comando de inversão e aceleração, mas num barco à Vela só se emprega para entrar e sair da doca ou da amarração, para pequenas manobras, em caso emergência, ou embaraçosa falta de vento.
Mas há mais ainda a fazer, como: decidir o rumo, marcar a posição e comunicá-la, calcular e registar a singradura (caminho percorrido), analisar o tempo, e o vento dominante para o percurso previsto.
Tem de estar atento ao emissor/receptor, automaticamente sintonizado no canal de emergência, que só permite a escuta ou o envio, de um eventual pedido de socorro, “Mayday”; é esta a expressão a usar repetidamente, seguida das coordenadas do lugar e o nome da embarcação, que são monitorizados pelos serviços de emergência marítima em Terra, e por todos os barcos que naveguem na proximidade e que ficam com a estrita obrigação de mudar de rumo e prestar ajuda. Para outras comunicações o operador usa qualquer um dos múltiplos canais que estejam livres.
Para a sua a higiene, tem o navegador, água doce disponível no seu mini quarto de banho, e porque tem também de fazer a sua própria alimentação, lá está o canto de cozinha, ao mesmo tempo dispensa com frigorífico, e uma boca de fogão.
E, claro, não posso deixar de mencionar, como essencial que é, ,que o tripulante solitário tem também de dormir, o que nas circunstâncias, e após confirmar o rumo no piloto automático, só pode fazer por períodos curtos, 2 a 3 horas, se não for acordado por qualquer sinal automático que o alerte para eventual perigo ou manobra iminente.
Mas a tudo se habitua o corpo humano, e mais facilmente do que se julga.
É uma profissão bem paga, mas mais do que isso, para quem gosta do mar, é claramente desafiante.
Entre a cana de leme e a linha do horizonte, há mar e mar, mas há também sonho e natureza, e a sensação galvanizante de que nada é impossível…
A viagem, à velocidade do tempo que encontrar, pode durar um mês, ou, raramente mais…
Chegado ao destino, o navegador solitário, que de facto nunca esteve sozinho, entrega a encomenda, pega na sua pequena mala, e apanha o avião rumo a casa…
E acreditem, fica ansiosamente à espera da próxima…
Este meu pensamento, completa o assunto:
“A solidão no mar, é o mais preenchido dos espaços; e um dos mais fascinantes… “